A PRECE começa com a chegada de Thomas. Começa com um rosto, o olhar confuso, a postura morta, preso somente em cena pelas roupas do corpo e sua revolta. Os olhos sujos, a longa espera, os impasses surdos, os tédios tristes, tudo ali se vê através desse rosto, arranhado, amassado, envergonhado, perdido no mundo. Ninguém o notou, apenas a câmera de Cédric Kahn e é nesse instante, nesse único frame, o de um rosto que veio do nada e cujo destino – não sabemos – que começa o filme e nossa conexão com esse jovem.
O resto é um auto de fé. O resgate de um indivíduo que chega em frangalhos e, nesse lugar – um monastério? Uma escola? O cinema? -, aprende o mais básico que é se conectar com outras pessoas. E é ali, perdido nas montanhas, nesse filme de pequenas duvidas, donde os indivíduos chegam em solidão absoluta, em completo desespero, para aprender o mais rudimentar, isso através de orações, de regras, de comportamentos e de novo orações, uma rotina de amizade, trabalho e cânticos, que tal conexão se transforma em comunhão. Entre o público e esse jovem, entre o protagonista e o cineasta. Em cada um desses meninos não-atores. Não importa sua origem, seu país, seus pecados. Pode ser de alguma família bem arrumada ou algum garoto de rua. Pode ser espanhol, francês ou americano. Não importa. Estão ligados por essas provações. E pela oração.
E com esses garotos (perdidos?), o público logo forja sua própria crença, mesmo na cena do milagre porque tudo é muito racional (ou redentor?). Cada cena, por si só, cria subjetividade e ilusão. A invisibilidade que se sente pelas músicas à capela, as caminhadas na montanha, os ecos na névoa – tudo é muito belo, quase que contemplativo. E ao filmar essa fé, além do marco da religião, todo esse amor, a paixão, o compromisso, adotando todos os recursos da mística do cinema, o cineasta nos entrega, senão, uma oração visual. Da tempestade que se encara ao começo à serenidade que se filma o final, o filme começa e termina num rosto. O tempo que decorre dessas cenas é uma meditação a parte, mas para esse jovem é uma verdadeira transformação.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Le Pacte, incluso notas de produção e entrevista com o diretor
RATING: 69/100
TRAILER