“O que você pensa ao me olhar?” É uma pergunta direta, feita ao público entre expectativa e suspiros, assim por várias garotas, olhares comuns e sorrisos inusitados. “O que você pensa enquanto olha para mim?”, repetem. Então, um rapaz balbucia algo e vemos Rebecca Marder em cena, a excitação, seus olhos esbugalhados, um leve nervosismo que tensiona a nuca… o texto logo se perde, as perguntas fogem, tudo lhe escapa de repente. Ela desmaia e, com ela, caem-se as cortinas, se revela um palco, um cenário improvisado, também o cinema de Sandrine Kiberlain: a história de “uma garota radiante”, como diz o título, e o desejo inusitado de se expressar de forma diferente.
O detalhe é a maneira de encenar esse filme de atores feito por uma atriz de profissão: a história rapidamente nos chega ao coração e então você também esquece os palcos, a tela… os olhos ficam somente nessa menina sonhadora, que ama ser atriz e nessa aventura carrega sua família, o irmão, o pai, a avó, tudo tão gentil que você sequer sente o tempo. De fato, em nenhum momento é citado a época, a narrativa parece atemporal e não sabemos (a)onde o filme está. O foco, parece, fica na ensolarada fantasia juvenil, o romance de jovens amores, o cotidiano de uma família na mesa de jantar. Disso surge uma empatia imediata com os personagens: com a avó que achávamos ser a mãe, mas de fato é a mãe da mãe ausente; com o pai que perdeu a esposa e tenta lidar com as sombras; com a própria protagonista substituindo sua mãe na roupa de casa, e principalmente com o irmão que é o filho mais frágil, mas sustenta orgulhoso, um bigode e a flautinha.
A ideia é realmente mostrar essa família feita de pessoas comuns, em algum tempo (não importa), com música de todas as épocas e figurino não muito estiloso ou estilizado, diria até genérico. No início, pode até se perguntar: é um filme sobre o quê? E tudo o que precisa saber está em uma frase, dita ao acaso num café da manhã: “você tem que colocar o selo judeu nos passaportes”, nisso você meio que se situa, mas o filme lhe inunda de tanta luz, de paixões, de impulso perpetuo, desse romantismo tão pisciano que você logo esquece. Está aí, uma jovem de 18 anos com pressa de ir à aula de teatro, de se encontrar apaixonada com o amante, ela está acima de tudo na vida. Ela está viva! E por tal espírito se sente o filme. A cena em que a jovem anda de bicicleta é emblemática: ela vai rápido, nada a impede, ela poderia ir até o fim do mundo se fosse preciso. Ela está sempre correndo, rápida o tempo todo, a câmera junto em movimento, em travelling, no ombro, saltitando, batendo na porta, descendo as escadas… cada frame na mesma respiração da atriz porque à medida que o tempo aperta, o impulso vital nos leva um nó na garganta. O resultado é um filme intenso, de grande amor que nunca se abate, mesmo quebrado por uma estrela. E que prefere terminar desse modo, antes que algo pior acontecer. E de novo a pergunta: “O que você pensa ao me olhar?”, mas ninguém responde… só silêncio. Então você percebe: o roteiro é baseado no Diário de Hélène Berr e logo também suspira sem palavras.
RATING: 73/100
TRAILER