Por Eduardo Benesi
Se a cultura nos confere identidades reconhecíveis, há no cinema um poder de registro multissensorial para traçar esse espaço e suas particularidades, essa integração de elementos que promove a conexão pela convenção. Há quem diga que a Mostra não tem exatamente uma cara, mas existem obras que sim, são a cara da Mostra e posso provar. Vejam o exemplo de ISSO NÃO É UM ENTERRO, É UMA RESSURREIÇÃO. Primeiro por vir de um país inóspito em nosso imaginário postal: aquele deslumbre de paisagens, o clima tribal e rústico, o jeito das pessoas se relacionarem e como lidam com conflitos, suas persistências instintivas, a forma como a câmera se ocupa dos corpos. Dessa vez uma pequena história de um pequeno lugar onde mora uma mãe de um filho que nunca mais voltará.
O respeito ao tempo, a forma de estabelecer esse tempo, de respirar a imagem, a dignidade de Montoa olhando para o horizonte da câmera, a senhora que fez de um filme uma ponte de ligação com a própria partida, não um filme sobre morrer, um filme sobre morrer direito. Uma história que consegue ser metafisicamente engajada ao achar um ponto de convergência entre política e espiritualidade. Quem sabe seja a memória a maior lição sobre permanência. É assim que jamais me esquecerei daquele rosto e a angústia que chora no silêncio de dentro, sem música de chorar, apenas chorante.
Se uma boa direção precisa estar disposta a investigar a tensão do detalhes, ter um bom senso imagético, saber o que quer e fazer com que todos os departamentos façam um mesmo filme, essa consegue, além disso, abrangência poética em cada movimento, ou na palavra pouca e outras tantas delicadezas. Sem o medo de experimentar, Lemohang Jeremiah Mosese me chega como novidade, mas já respeito como veterano.
RATING: 86/100
TRAILER