Os Amores Dela

Outra delicada história de experiências (ou melhor: experimentos amorosos), esse filme da francesa Charline Bourgeois-Tacquet, convenientemente chamado de LES AMOURS D’ANAÏS. Digo isso, porque a cineasta é grande fã de Roland Barthes e seus “fragmentos de um discurso amoroso”, inclusive os ensaiou em um curta (PAULINE ESCRAVIZADA, 2018), os mesmos desejos, a solidão e ciúmes que circundam os amores impossíveis, tão triviais e radicais, aliás com a mesma atriz – Anaïs Demoustier, de agora. E novamente uma comédia de língua-na-bochecha, donde todo o requinte é o amor, o texto ágil, correndo aqui e acolá, muitas idas e vindas e aventuras e intrigas, talvez porque o amor não cesse de correr e empreender e intrigar, o que impõe certo ritmo à projeção. Um deboche de desilusões e confabulações, planos infalíveis e arte da conquista. Ou apenas o ato de experimentar, gostar e se apaixonar loucamente pela emoção. E o público junto nesse palpitar do coração, frame a frame, tuntum e tuntum, enquanto Anaïs corre, corre e corre livremente por seu(s) amor(es).

Vamos explicar: Anaïs tem 30 anos e está falida. Ela tem um namorado, mas não tem certeza se o ama mais. Ela conhece Daniel (Denis Podalydès), que imediatamente se apaixona por ela, mas Daniel vive com Emilie (Valeria Bruni Tedeschi), por quem Anaïs também se apaixona. Sim, é a história de uma jovem inquieta. E a história de um profundo desejo, embora um tanto absurda. Seus amores têm 50 anos, mas o amor não tem idade ou razão, não é mesmo? E logo um cinema que se pauta por impulsos e impulsos repentinos: uma personagem que vive no presente sem se fazer perguntas, sem projetar algo para o futuro. Chama-se vitalidade tanta ousadia, essa habilidade de seguir adiante nos desejos e independente do aborto, do câncer da mãe, ela segue adiante. De outra forma, cairia aos pedaços.

O resultado é um filme de energia, velocidade e movimento. Tal cinética vêm do diálogo, da atuação, os planos-sequência que encadeiam um turbilhão verborrágico da personagem e aceleram a edição, a linguagem, cada movimento da atriz, nisso a energia dos corpos. O ritmo é ensurdecedor, explode em efervescência, quase num flerte aO SELVAGEM, de Jean-Paul Rappeneau, embora com leves (bem leves) reminiscências de Rohmer nessa importância aos sentimentos românticos e joguinhos de paixão. Além disso, fala de desejos, essa força que nos impulsiona para os outros e para o mundo. Quando Anaïs começa a se interessar por Emilie, ela mesma não sabe o que lhe empurra para essa mulher: curiosidade, atração cega ou apenas desejo de estar mais perto dessa pessoa. Uma intuição também. A intuição de que elas tinham algo para viver juntas. E o filme tão somente explora essa magia que descamba, pura e simples, em desejo carnal. E olha, nunca vimos Valeria Bruni Tedeschi assim: uma personagem que quebra todas as fronteiras que significam códigos sociais, gêneros atribuídos e diferenças de idade. A história de Anaïs e Emilie é a narrativa de um encontro extremamente poderoso entre duas subjetividades. Uma história de amor e desejo que também abrange a mente e a inteligência e donde ela pode até tenta fugir, mas Anaïs não concorda. E o filme se fecha num beijo, naturalmente.

RATING: 68/100

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FILMES · CANNES · FILMES LGBT

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