Entre as frestas do trem, você vê o quão belo e poderoso ATLANTIQUE é: o mar, a música, um romance impossível. O filme – negro, africano, feminino – lhe arrebata de início, na torre mais alta, no céu mais branco, na caçamba de um caminhão… e é muito bonito. Depois se perde no mar, em busca de sentido, de força, de mistério, logo um filme são dois, um bom, outro ruim. É como se ASAKO I & II fosse ao Senegal e possuísse a protagonista.
A cisão ocorre com a partida de Souleiman, um jovem que em subemprego, sem dinheiro ou perspectiva vai ao mar em busca de esperança ou vida melhor. Atrás, fica Ada e seus sonhos e é sobre os dilemas dessa jovem, que a cineasta Mati Diop filma a vida social do Senegal, a condição da mulher, a poesia e a sofridão, e isso em dialeto wolof e além da realidade. E tanto quanto o poema em tons desbotados, o mar é onipresente, um personagem pelo qual se vê toda a narrativa, as ondas arrebatando, a maré calma e tempestuosa, as águas por todos os ângulos, dividindo o céu e a terra, o sonho daqueles que partem e daqueles que ficam.
A cineasta filma em solo firme, no Senegal e sempre com vista ao mar, diante das ondas que esperam, quebram e arrasam, a própria protagonista se vê esperando – quebrada e arrasada – pelo amor que se foi e o casamento que lhe arranjaram. Um amor ceifado pela injustiça, roubado pelo oceano. Então, o universo conspira, um incêndio assola a festa de casamento e misteriosas febres tomam conta das meninas da vizinhança. Para a protagonista, no entanto, nada importa, nada é definitivo. Seu amor está ultramar e além vida. Seu corpo está tomado pela paixão, possuído (e literalmente) por esse amor. Ela está obcecada, é uma morta-viva. Seu amor se foi ao mar e quando foi, já estava morto. E é fantasmagórico contemplar o oceano sem pensar em todos os jovens que se foram e ali desapareceram. E é por essas frestas de película que você vê o quão belo e poderoso ATLANTIQUE é: Simplesmente o mar numa (pro)fusão de corpos e lutas.
RATING: 68/100
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