De uma antiga peça, de um novo livro, de memorias do passado, ou noutro filme, A VERDADE é que Hirokazu Kore-eda, independente da linguagem ou país que esteja, é capaz de encenar o mais simples e o faz, partindo do nada, de um cinema aparentemente ingênuo, para aos poucos condensar a história, conjurar os detalhes, remodelar os pequenos momentos e, assim, estratificar esse conto ao infinito, quase no minimalismo e sempre no extremo equilíbrio. E nesse artesanato, trabalha a película com uma limpeza, uma clareza, uma transparência que é genuína japonesa e nos remete naturalmente à Yasujiro Ozu, mas não o é porque seu filme fala francês e, como os franceses, se carrega de uma ambiguidade típica. Então, A VERDADE se esgueira por caminhos tortuosos, entre seus antigos filmes e de outros franceses, de AINDA ANDANDO à UM CONTO DE NATAL, de Arnaud Desplechin; de ASSUNTOS DE FAMÍLIA à HORAS DE VERÃO, de Olivier Assayas e mesmo pelo melodrama clássico, em filmes como IMITAÇÃO DA VIDA, de Douglas Sirk ou SONATA DE OUTONO, de Ingmar Bergman.
Então, ACIMA DAS NUVENS e sob O CREPÚSCULO DOS DEUSES, o cineasta filma Catherine Deneuve, a grande estrela, monumental, inatingível e distante do cinema francês. E na tela, vivendo outra atriz, tão diva quanto se possa imaginar e cujas memorias, a verdade que nos conta (ou escreve) será o grande estopim para o grandioso melodrama (ou comédia?), os segredos contados, os relatos resolvidos, os amores e ressentimentos confessados… o cineasta japonês se aventura e filma o cosmos. Deneuve. Binoche. Hawke. Big bang!
Dessa faísca, o rascunho de uma antiga peça de 2003, logo se emoldura o retrato de uma atriz, a turnê de uma mãe dividida entre a carreira e a filha, as verdades e as mentiras e isso no espaço ou no jardim, num (meta)cinema ou entre as estações, o outono, o inverno, nada mais que os holofotes para essa mulher brilhar, o Sol pelo qual todos acordam e, encantados, orbitam sob sua sombra. A VERDADE é Catherine Deneuve. A VERDADE é um filme de Catherine Deneuve. A VERDADE é o filme com o qual Catherine Deneuve sempre sonhou (ou mereceu) e nós, o público, ludibriados, reconfortados ou aconchegados por tal ofício, só nos resta sorrir e nos fazendo sorrir, Kore-eda nos leva à apoteose, donde ficção e realidade se confundem. A verdade, então, é puro cinema.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Wild Bunch, incluso entrevista com a diretor e notas de produção
RATING: 73/100
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