ZEROS AND ONES é Ethan Hawke caminhando pela noite… disso, ame ou deixe, Abel Ferrara cria paranoia, um cerco apocalíptico que persegue um agente militar enquanto ele próprio navega por um mundo fechado de medos e incertezas, esquizofrenia e eventual esperança. Um conflito, portanto, entre a história e o mundo, o presente e o futuro, esse (meta) filme de confinamento e guerra, perigo e espionagem, soldados americanos, intermediários chineses, rebeldes do Oriente Médio, homens santos, provocadores, diplomatas, elementos da KGB e Mossad, informantes e assassinos. Ou não: tão somente um homem em lockdown febril e o surto em sua cabeça, senão outro delírio de um diretor que gosta de (nos) provocar, o pesadelo outrora com Harvey Keitel em seu VÍCIO FRENÉTICO, ou mesmo Willem Dafoe na SIBÉRIA, agora é Ethan Hawke nas ruas de Roma, ele sozinho e mascarado.
Então, um soldado na tela, só isso, nessa estética suja, quase underground de uma câmera anárquica em intenso close-up e cinematografia digital. A paisagem sugere um filme amador de baixa produção e resolução. O tom é extremamente sombrio, a trilha obsessivamente obscura. A iconografia do cineasta se repete em esplendor sórdido, caminha a esmo por ruas Noir, igrejas católicas, carreiras de puta e cocaína, isso por noites desertas, exceto por militares sombrios e seus agentes, o medo mascarado e perigoso de prontidão, como se todos estivesse à beira de um ataque iminente. Piazza Vittorio é o marco zero do filme. Jericho é seu herói: um combatente americano armado de câmera de vídeo, revólver de serviço e uma máscara cirúrgica, ninguém sabe suas origens, patentes ou privilégios, tão pouco sua missão. Ele chega em Termini e – parece – investiga um atentado no Vaticano, ou não, nada acontece, as notícias são falsas e o roteiro é somente mistério. Seu irmão, talvez seja a causa, um radical, revolucionário procurado, ou somente um minion de um surto psicótico. De um vírus invisível? Do protagonista? Do diretor? Ninguém sabe.
E é curioso como um filme de tantas incertezas se sustenta em sistema binário, duas histórias sobrepostas entre “zero” e “um”, a lógica digital ocupando esse espaço, um filme de conspiração, outro de confinamento, dois Ethan Hawkes em sonho/pesadelo, num filme de guerra/não guerra ou em pseudo realidade de mundos duplos de quarentena, distanciamento social, vidas fechadas e toques de recolher. E naturalmente as perguntas que esse tipo de pandemia leva ao futuro. Não à toa seja tão radical, tão divisivo, porque a montagem (re)imagina uma realidade não muito distante da qual estamos apenas começando a emergir, onde a confusão reina, a história está viva, e o futuro está em jogo.
O roteiro pode sugerir um agora recente, um momento em que o mundo parou, mas remonta na verdade de um argumento dos anos 90, uma ideia vaga sobre o Vaticano, o 11 de setembro, e o que poderia disso acontecer. Abel simplesmente adaptou seu texto para uma Roma enclausurada, lhe aplicando esse verniz de confinamento, uma camada adicional que não se explica totalmente na projeção, mas o público aos poucos entende nessa corrida de acompanhar o filme, o que acontece, múltiplos formatos e pontos de vista caóticos em um cinema de guerrilha, feito apressadamente depois do toque de recolher, isso tateando a escuridão, luzes difusas e um corte bruto. O resultado é outro filme (de) cult(o).
RATING: 72/100
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