First Cow

FIRST COW é a origem e o fim do “empreendedorismo americano”, um western melancólico, a história dos primeiros homens, do primeiro chinês, do primeiro padeiro, da primeira vaquinha e a receita do bolinho de chuva, filmado no princípio do mundo, todo o comercio artesanal feito como em HONEYLAND se fazia e aqui trocado por colares e contas, botões e tostões, entre os colonos, os índios e os cowboys. Um filme doce. Uma festinha de Babette.

“A história não chegou aqui ainda. Está chegando, mas viemos cedo demais”, diz o viajante. Depois de passar a maior parte de sua vida explorando o mundo, o chinês encontra ali, no princípio de tudo – e especificamente em 1820 -, um lugar onde a possibilidade supera precedentes. E é desse sentimento, a oportunidade de inovar, o tal sonho americano, que se enquadra o filme da cineasta Kelly Reichardt, uma espécie de cenário primordial, um mito de origem de tantas histórias do velho Oregon que ela conta tão bem, há tanto tempo pelo cinema independente. E como outrora, seja no prólogo de uma garota e seu cachorro na floresta (WENDY E LUCY, 2008), na luta para dominar terrenos insondáveis (O ATALHO, 2010), na conversa em torno da fogueira (ANTIGA ALEGRIA, 2006), novamente o protagonista luta para fazer sua história, esse filme. E o faz com melancolia graciosa e frágil, como se “o universo inteiro estivesse contido dentro de uma lágrima”.

O cerne, sem dúvida é a amizade entre os protagonistas, um taciturno solitário e hábil cozinheiro (John Magaro) e um imigrante chinês (Orion Lee), ambos em busca da fortuna e ambos os sócios da “primeira” joint venture americana, embora o sucesso do negócio dependa da participação clandestina de uma valiosa vaca leiteira de um rico inglês das vizinhanças. A partir dessa premissa simples, Reichardt constrói um interrogatório sobre a cultura americana, filmando um “buddy movie” de desventuras, de afetos sinceros e um pouco de suspense. Sua câmera sempre em busca do mais mundano, seja “o passarinho um ninho, a aranha uma teia ou a amizade de um homem”, como cita o provérbio que introduz a película, seja nessa ideia de lar, o lugar onde os humanos fazem sua casa.

Há uma abordagem minimalista aqui, um jeito simples de contar uma história que segue caminhos muito comuns e, todavia, repleto de nuances. FIRST COW também se manifesta como uma consideração (e crítica) ao capitalismo americano, examinando a lógica implacável da oferta e demanda sem exaltá-lo ao todo, mas apenas como uma meditação ambivalente sobre o espírito empreendedor muito celebrado nesse país. A fotografia de Christopher Blauvelt fica perto do chão, como se para sinalizar que esta é uma parábola sobre empresários de baixo nível, enquanto a proporção caixote de 4:3, nega ao espectador a grandeza widescreen associada ao Ocidente. A ênfase é na intimidade, não na mitologia, embora tais proporções sejam enganosas: esse filme, de alguma forma, é mais espaçoso por dentro, diria excepcional.

RATING: 84/100

TRAILER

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FILMES · BERLIM · LOCARNO · ROTTERDAM

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