A Felicidade das Coisas

No princípio, era uma mulher. Uma mulher na praia, com sua mãe aposentada, uma filha pequena e o filho pré-adolescente. Uma mulher com todas as suas contradições, agruras e dilemas. Uma mulher com sonhos. Uma mulher grávida de outra menina, talvez se chame Glória “para combinar com Guto e Gabi”. Sua história não tem começo, nem fim, é apenas um verão em Caraguatatuba, também o filme (de estreia) de Thais Fujinaga e tão somente esse cotidiano, a maternidade e a poesia mundana sobre A FELICIDADE DAS COISAS, nada mais.

Há uma piscina também, ou a ideia de construí-la. E um buraco vazio que não cabe tanto projeto de ansiedade. Ao lado da casa corre um rio perigoso, uma praia não particularmente charmosa e um clube caríssimo. Mas todos desejam essa piscina, como se isso de repente os fizessem felizes e suas frustrações nulas. Falta dinheiro, falta marido, falta o filho e a cineasta filmando esses vazios, seu filme aparentemente sem dizer nada, mas no último frame, nessa roda gigante da vida, quando os personagens se entreolham, você realmente vê a essência, ou a tal felicidade que o título implica. Um filme feito do mesmo material que Gustavo Pizzi trouxe em BENZINHO (2018), os mesmos anseios de uma mãe pelos seus sonhos, mas aqui – noutro exemplo sublime do gênero “Classe Média Blues brasileiro” – você vê um filme de mulher. E o filme é todo de Patricia Saravy.

Então, um cinema donde a cineasta ainda se emociona de recordar, essas memórias de infância no litoral, nada glamouroso, mas feito com amor, você sente. E no final das contas, uma história sobre sonhos, mesmo proibidos. A câmera seguindo de perto essa mãe, mulher, menina, quase num artesanato de película, sem saber ao certo para onde a historia vai, se haverá piscina, se haverá casamento, ela apenas vive ao lado dos filhos, sua pequena ode. E enquanto avança a narrativa, nem tanto pela sucessão de anedotas, nem o fluxo de sentimentos, vemos em cena o ritmo caótico do cotidiano de um lar (que lar?) dilapidado. Nesse processo, também questões complexas sobre a relação entre mãe-filhos, mãe-filha, uma pitada da rebeldia da adolescência, sem respostas fáceis, e talvez por isso um retrato tão sedutor de alegrias e frustrações, comédia e tragédia, afinal as pequenas catarses do dia a dia.

RATING: 74/100

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REVIEW · MOSTRA SP · ROTTERDAM

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