Me chame de usurpador. De traidor. De amor. ME CHAME PELO SEU NOME e eu vou lhe chamar pelo meu. Chame de amizade. De algo mais. Sussurre em meus ouvidos à meia noite. Chame de euforia. De desejo. Esse frenesi… Como se chama? E esse filme que nos dá vontade de saborear aos pedaços… como se prova? Desse pêssego que parte de algum lugar da Itália, de algum verão no passado e – aos poucos – nos inebria de sensações e sentimentos, que nos toca com sua pele felpuda e macia, seu recheio, nem seco, nem suculento, o suficiente para dar vontade de abocanhá-lo, nos ouriçando com seus feromônios, nos aquecendo em seus braços, nos afogando em águas vivas, em pensamentos no colchão, nesse rio leve e caudaloso que dá vontade de se banhar, de morder, de beijar, desse suco que escorre pelo corpo, do sumo que corre pelas veias, do mel que nos engole por inteiro. Então, chame-o simplesmente de paraíso, esse filme de utopias, de fetiches e meninices, tão puro que nem Deus é capaz de expulsar.
De volta à terra e ao belo, Luca Guadagnino filma o sexo dos anjos, os cabelos encaracolados, o fulgor nos olhos, a juventude de Timothée Chalamet, a camisa entreaberta de Armie Hammer, e desse súbito encontro de desjejuns e Sóis pela janela, do cheiro dos calções, dos músculos tensos e curiosos, o cineasta filma a descoberta sob as cores de Rohmer e da Lombardia, a música de Bach dedilhada em mistérios, em maldições, bendito seja seu filme e as “visões de Gideon” porque a apoteose ainda está porvir, no belo monologo de Michael Stuhlbarg (HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO em mente), ou mesmo nas lágrimas de um garoto no inverno.
E há mais porque o texto é de James Ivory, celebre pelOS VESTIGIOS DO DIA, mas hoje empenhado na juventude, nas entrelinhas que se espalha pela projeção, como as camisas e bermudas atiradas pelo quarto acalorado, ou então os caroços de pêssego, largados ao chão para ali florescerem. Sua narrativa diz muito. Se insinua ao público embora não esteja de todo consciente disso. “É melhor falar ou morrer?”. Nesse suspense, o texto se esquiva e rapidamente a câmera o segue, desviando seu olhar (o nosso, inclusive) para a janela. Sim, o casal precisa de privacidade, mas nessa armadilha, tal como os protagonistas, já estamos totalmente encurralados, apaixonados (e curiosos) por esse amor.
E, sim, chame de amor, esse sentimento que cresce pelo filme, do qual não sentia nada, nunca quis sentir nada, mas obviamente nos atinge como um trem que parte da estação, e, pelo qual, eu invejo, porque – sabemos – poucos tem a sorte de chegar tão perto. “Como você vive a sua vida é assunto seu. Apenas… lembre-se de que nossos corações e nossos corpos são dados a nós apenas uma vez. E antes que você perceba, o seu coração estará desgastado. E quanto ao seu corpo… chega um ponto em que ninguém olhará para ele. Muito menos queira chegar perto dele. Neste momento, existe tristeza. Dor. Não a mate. E com ela, a alegria que você sentiu”. E é dessas lagrimas, um último olhar de cumplicidade depois dos créditos finais, que o filme se despede. Não para mim. Jamais. E eu lhe chamo: Mauricio.
P.S.: O diretor já está trabalhando em uma continuação, o que sugere algo no tom (ou expectativa) do que Richard Linklater fez na trilogia do coração.
RATING: 93/100
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