Cherry

Devia ser um drama intimista, pequeno e comovente, mas Joe & Anthony Russo não conseguem fazê-lo. Ao invés disso, eles fatiam o livro homônimo de Nico Walker em pequenos trechos, uma balada romântica, um rabisco de APOCALIPSE NOW, depois um Clint Eastwood kids, para contar uma história de como um jovem suburbano foi parar ali, diante de nós, 23 anos e sem saber ao certo o que está fazendo lá – “é como se tudo fosse construído sobre nada e nada segurasse tudo junto”. CHERRY começa e você percebe uma estranha sensação de normalidade, um rapaz de boné, cachecol vermelho, camisa branca, moletom azul, jeans surrado e tênis velhos… nada extraordinário, nada fora do comum, só a intenção mesmo – e a arma. Então, o filme nos toma de assalto e esse é o fim do prologo.

A questão que se segue, não é o que acontece depois, mas como o assaltante chegou ali, e serão 220 minutos de projeção, desse garoto que se apaixona, se machuca e triste se alista no exército, vai ao Iraque, volta quebrado e, então, para esquecer, dormir ou seja lá o que for preciso para se ter paz, se vicia em opioides. E com ele, vai a esposa, ambos ao precipício. É, portanto, uma história notável, as próprias memorias de Walker, que de fato fugiu de casa, serviu no exército, viveu o inferno, e você percebe pelo texto, todo esse derramamento confessional, as depredações morais às vezes revoltantes da guerra e do submundo das drogas. Ao mesmo tempo, há certa empatia, um pouco de humor, nada Marvel, um tanto mais sutil, nem novo, nem original, mesmo porque foi escrito na prisão sem qualquer intenção de se ganhar um Nobel ou Pulitzer. Certamente há filmes melhores sobre o tema, SNIPER AMERICANO, NASCIDO EM 4 DE JULHO, GUERRA AO TERROR, entre outros, mas esse talvez seja o mais “comercial” e nesse ponto, o casting de Tom Holland é perfeito.

Isso porque Holland é um ator extraordinário, um galã em ascensão, já o era ainda menino nO IMPOSSÍVEL e só melhorou em carisma com a Marvel. Agora, em seu primeiro papel “sério” como protagonista, ele encontra em CHERRY o case perfeito para trabalhar, primeiro de forma simples, quase infantil no ato de se apaixonar: há cenas de ciúme, cenas de amor, e ele transita entre elas com extrema doçura. Depois, no segundo capítulo propriamente intitulado “Cherry” – que é o apelido dado aos novatos do exército -, ele parte à guerra, à dor pungente, todo esse desespero. O soldado fica à mercê do treinamento, de generais mesquinhos, ao bombardeio físico e moral do combate e você vê o personagem – no filme, ele diz “robotizar” -, mas de fato tornar-se cada vez mais apático ao mundo. Por fim, talvez a melhor interpretação dele no filme, vem com o stress pós traumático e o consequente declínio às drogas (e ali, você percebe também Ciara Bravo). Há toda uma desconstrução do “bom moço”, o personagem vai ao auge da miséria, quase na merda, a consciência amortecida de heroína, e isso no rastro do Iraque, das dívidas, a falta de qualquer perspectiva.

Sim, de fato é um ótimo trabalho do ator, cada etapa encenada de genuína melancolia, mas o que falta em CHERRY mesmo, é um senso de direção: falta aos diretores editar o material original que já era bagunçado, e ao tentar filmar tudo, três trechos de história distintos que cabem em filmes separados, que poderiam fazer sentido na vida de alguém, mas não em película, não dessa forma aleatória que se conta, o filme se perde como um todo. O que era para ser um drama intimista, acaba se tornando um blockbuster de catálogo, outro filme para se ver no streaming e esquecer depois.

RATING: 67/100

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