Havia uma ferida histórica. Secular. E Kathryn Bigelow resolveu filmá-la pela porta da frente, em público, sem qualquer concessão. Primeiro o caos, uma garrafa, uma pedra. Depois, a vitrine estilhaçada, o fogo, o calor, o incêndio generalizado. Por fim, o motim… DETROIT parte de um estado de GUERRA (AO TERROR?) e na HORA MAIS ESCURA não fica mais fácil: Um negro é caçado na rua. Uma garota ficou curiosa de ver a janela… todos são alvejados. São negros. São criminosos. A polícia está cheia deles.
A narrativa se confunde com cenas de arquivos que se desvanecem na encenação. No palco vemos artistas. No coração sentimos medo. A História prossegue, tão cruel como o pior suspense. Não há descanso. E porque haveria? A cineasta nos aponta uma arma e por toda a projeção nos golpeia com a coronha. Cada frame é um hematoma. Cada cena é uma tortura. Perfilados na parede vemos um a um, personagem por personagem ser destruído, aniquilado, humilhado. Quem é o próximo? Ninguém respira. O público, idem. E justiça seja feita como se fazia antigamente.
O que você vê? Nada… O que você viu? Nada…, mas ali, nesse filme, sangra oculto e negro vários e vários séculos de segregação. Uma ferida viva, exposta, sempre dolorosa e que jamais cicatriza porque o preconceito age (e sempre agirá) em legitima defesa e cujo tribunal de homens brancos, de Juiz e júri brancos, aplicando leis criadas por um Parlamento branco, afinal sabe discernir os bons dos maus, as verdades das mentiras, o branco do preto, e isso em tese chama-se justiça. Ou não, porque precisou uma diretora – também branca – filmar essa história, reorganizar os fatos e os pontos de vistas para percebemos que a expressão “igualdade perante a lei” perde todo o significado, é enganosa, distorcida e falha, ao menos o que tange aos negros. O que Bigelow filma não é a primeira vez, não será a última e, por isso, é essencial. Não a toa seja um dos filmes do ano.
(*) Incluso trechos do discurso de Mandela em seu Julgamento em Pretória, 1962
RATING: 84/100
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