
Do clássico de F. W. Murnau, o primeiro, o autêntico, o original, aquele que ficará na história para sempre, Robert Eggers empresta o expressionismo alemão, a imagem monocromática que se distorce conforme as labaredas, as sombras, os ângulos dramáticos e a câmera inquieta; do antigo personagem de Max Schreck, a lenda, o mistério, o fascínio, Bill Skarsgård empresta a imponência, a voz poderosa que pode estremecer ou seduzir conforme seus desígnios, a vontade de um lorde afinal; da visão de Francis Ford Coppola para DRÁCULA, o mito, o horror, o sucesso, o argumento ressuscita uma de suas criaturas mais horríveis de sempre, isso em intensidade, poder evocativo, algo tão visionário, perturbador e não inferior ao NOSFERATU de 1922… poderia dar errado, muito errado, mas essa versão de 2024 é o início de um rastro de sangue que se estenderá indefinidamente porque revive uma criatura, outrora Bela Lugosi, Christopher Lee, Gary Oldman, agora tão somente um resquício de sombra que mal se vê, um rosto que não é desse mundo, aquela postura de não-homem consciente de sua própria diferença inexorável, um demônio, um animal, a própria peste… isso é o Nosferatu!, um filme que (re)escreve a putrescência, a asfixia, a devoção de um nome que desde agora não se define mais, como deveria ser e como seria no romance de Bram Stoker, um vampiro obcecado (ou trágico?), ossificado em mitologias e contos ciganos, aqui tão somente para nos assombrar, assombrar Lily-Rose Depp e, então, desfalecer.
Ao público, cabe olhar e enlouquecer diante do horror, essa fome onipresente e desesperada. O tipo animalesco que rói da própria carne para afastar as pontadas de dor por um instante, mas não cessa, nunca cessa, e morde cada vez mais na escuridão, o vazio incessante que nos engole e, invisivel, devagar, inconsciente, vai na jugular da loucura como um lembrete de seu domínio, diante de um fantasma cujo alcance está sempre se expandindo para nos tocar completamente. A sensação é de intenso frio, de escuro, um teatro cuja imersão nos deixa catatônicos diante da imagem (que imagem?), hipnotizados pelo mais gutural, a imponência de uma voz que nos enfeitiça. Diante dele – desse filme assombroso – somos presas indefesas tremendo de antecipação, à mercê de um deus ou demônio ou anjo ou a própria morte, cuja escuridão é sem fim, está em todos os lugares, reina infinita.
Robert Eggers emula também A CARRUAGEM FANTASMA (1921), filma especificamente o ente fantasmagórico e depois se expande por sonhos, sussurros, um desejo sombrio… a mão gélida que busca a garganta, os dedos que buscam a pele, o apetite que se entrelaça com a fome de sangue, o sangue que flui pelas veias, que enrijece os sentidos, o gozo que queima em sacrifício até o vazio, o oculto, um pacto de sangue, portanto, que liberta e sentencia enquanto a carne se rasga, os ossos se quebram e o sangue se esvai. Um cinema aterrorizante e prazeroso pela imagem que fica: o êxtase fulminante de uma jovem choramingando por “mais”, “mais”, “mais”, quase em arrebatamento enquanto a música de Robin Carolan vai ao nosso ínfimo e nos leva à apoteose.
RATING: 81/100

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