France

FRANCE é tudo de uma vez, o retrato de uma mulher, uma jornalista, um país, a mídia no geral. É drama, comédia, tragédia, grotesco, talvez a chacota de Bruno Dumont ou uma Léa Seydoux para rir, aplaudir ou vaiar. É sobre espectadores e eleitores, imagens que se constroem e distorcem e inflamam. Em suma, um filme divisível feito por um autor, do qual não se poderia esperar menos, que soma e recapitula todo seu cinema, os mesmos personagens-concha de sempre, encapsulados em seu próprio mundo de loucuras, sem saber se comunicar, conectar, conviver, assim guiados pelo instinto ou, vez ou outra, pela graça. E se outrora tal absurdo fosse filmado pelo proletariado, o tabu ou autismo de consciência, agora é – social e emblemático – pelos danos culturais causados pela hipertrofia das mídias e redes sociais. E sob tais camadas digitais, uma sociedade que emburrece, uma profissão que se dissolve, fora um país no pelinho do ridículo.

Aqui, tudo se constrói como melodrama: é a ficção natural da tela grande replicada em telejornal. Um mundo paralelo de sons (mixados?) e imagens (editadas?) para nos contar a realidade ou nossa (percepção de) realidade no mundo (paralelo). A indústria da mídia, tão logo é uma indústria de massa que explora o produto, uma máquina para fazer barulho e zumbido donde a representação de um evento importa mais que o evento em si. Já vimos essa história, ainda lá nos anos 50 com Billy Wilder nA MONTANHA DOS SETE ABUTRES, mas guardadas as devidas proporções e a época, Dumont o faz com maior ironia e crueldade: Seydoux adere um personagem trágico e heroico, se insere num status quo donde se acredita ser livre, mas não é. Faz parte de um circo – o sistema estelar que gera através de sua cinematografia – e lá se contorce no malabarismo midiático.

Sem dúvida, um tema relevante: a notória desconfiança do público sobre a mídia e os jornalistas já demonstra, se não consciência, ao menos alguma intuição que todos têm em relação a um sistema que prega a realidade enquanto dramatiza suas representações e as sobrecarrega; que mói a realidade à sua própria ideologia, explorando os acontecimentos como fonte contínua de doutrinação, notícias fora de contexto ou fake news e produzidas de acordo com sua hierarquia de valores ou propaganda. Assim, nada mais importa, nada mais é sério. Dumont, como sempre, aborda a inconsistência, filma talvez sua peça mais política, ainda que seja uma piada.

Sua França é a própria protagonista, a heroína e o esboço, uma representação da alienação midiática. A atriz tão somente interpreta seu papel, superficial e comovente, manipulador e sincero. A França se acende diante de nós, não uma clareza muito clara, mas um esclarecimento, um contínuo esclarecimento de sua consciência. Não sem dificuldade, não sem lágrimas. A França abraça as instabilidades da natureza humana, por ser esta mesma natureza que aqui se encarna cinematicamente diante dos nossos olhos e sob a aparência de Léa Seydoux que a serve, tudo para a germinação da França, ao seu limite, que cresce no seio do espectador que ali bate, para sair do entorpecimento da realidade (que realidade?) que o atormenta. É para meditar, ou pesar, vai da sua consciência.

(*) Crônica livremente inspirada da entrevista do diretor, em Cannes.
RATING: 73/100

TRAILER

Article Categories:
REVIEW · CANNES · TIFF · MOSTRA SP

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.