

A mente é um pincel inquieto, por ela o pensamento escorre indefinidamente sobre tela, de maneira incerta e impetuosa, um impulso bruto, uma ideia ainda indefinida, úmida, que tropeça sobre si mesmo na busca por forma. Cada traço busca, com urgência, espatular cores em golpes curtos e trêmulos, como se tentasse capturar o efêmero instante antes que se dissolve no esquecimento. O retrato que o cineasta Edgar Reitz persegue, tal qual a Rainha da Prússia, Charlotte, que, no passado, ansiava pelas respostas do filósofo Leibniz para as questões mais profundas de sua existência, mesmo outrora em HEIMAT – uma série que, como um quadro vivo, abarca um século de eventos que se desdobram na Alemanha rural – ecoa aqui em LEIBNIZ, o debate intenso entre o filósofo e o artista pela “natureza” da verdade, seja ela em única imagem, seja em cinema. É possível, de fato, capturar a essência de uma pessoa? De que maneira as imagens, como sombras, são moldadas sutilmente, sem que possamos perceber seu toque? Ao cineasta, cabe o papel de buscar a luz e filmar, sua câmera mergulhada na sombra do filósofo, para que o pensamento se revele em cada espaço, e o segredo resida na maneira como ele investiga a fluidez das transições entre tudo e qualquer coisa. Descobrir o fascínio dessas transições é o cerne dessa filosofia-filme: da guerra à paz, do pensamento à ação, do sonho ao despertar, do som ao silêncio, da dor à felicidade, afinal, a CRÔNICA DE UMA PINTURA PERDIDA como narrativa (épica?) que surpreende pela precisão concisa, situada em um único local e em um espaço temporal finito.
Desde HEIMAT – e agora com LEIBNIZ –, esse cinema se constrói por saltos temporais, muitos deles marcados por intertítulos. As crônicas se manifestam como diários, fugindo da rigidez do drama, do teatro de conflitos estruturados, dos arcos de suspense e dos clímaxes convencionais. O foco recai sobre a essência do tempo (e do pensamento). A crônica cinematográfica se desdobra em fragmentos temporais que se conectam pela experiência compartilhada do tempo: tempo vivido, tempo conversado, um diálogo intenso durante a noite, feito com um punhado de atores, em um único cenário, onde o processo de criação do retrato é o verdadeiro drama intimista. O foco, portanto, está nos rostos dos atores – suas expressões e performances, que se tornam a verdadeira aventura cinematográfica.
Assim, temos uma história que se constrói entre o que pode ser historicamente confirmado e o que é pura ficção. Está documentado que a Rainha Sofia Carlota da Prússia venerava Leibniz desde sua juventude e ansiava pela proximidade de sua inteligência. Seu amor impossível se materializa nesse retrato de Leibniz, com o qual ela deseja dialogar diariamente em seu palácio em Charlottenburg, em Berlim. Ali, o esboço busca a verdade, ou, ao menos, a arte que habita aquele misterioso espaço entre o pensar e o fazer, entre o saber e o não saber – um território para o qual a pintora holandesa Aaltje van de Meer nos conduz em tinta e película. E, como Leibniz, ela nos surpreende ao declarar: “O que não sei, posso pintar” e, sim, é (será) sublime.
RATING: 78/100

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