QUE HORAS ELA VOLTA? Pergunta o menino para a babá. Será que ela volta? Pergunta em silencio, a mãe apreensiva. Quando ela volta? Pergunta a família para a empregada… E por tantas perguntas se constrói um filme e uma casa, uma família e sua empregada, as classes sociais, as convenções e suas rebeliões. Tudo ao redor de Val, a personagem de Regina Casé, outrora Tina Pepper de “Cambalacho”, a Carlotinha Bimbatti de “Guerra dos Sexos” e, também, uma mulher simples, mulher do povo, da televisão, do “Esquenta!” de domingo, da “Ciranda de Pedra” de momentos sublimes, inesquecíveis, cheios de EU, TU, ELES.
E novamente agora, diante dessa família que nada vê além do umbigo e do smart phone, enquanto Val os acolhe como filhos, limpando, lavando, aguando e se esgueirando pela CASA GRANDE, sempre orgulhosa com seu aspirador e potes de sorvete, as bandejas e as xicrinhas. E ao final do dia, já no colchãozinho, diante do ventilador e da novela barata, ainda lhe resta cafunes e dengos. E é assim, preto no branco (ou branco no preto?), dia após dia, sim, um personagem comum, rotineiro, mas extremamente autêntico pela forma como o roteiro de Anna Muylaert se desdobra entre a sala e a cozinha, ou ao redor da piscina, escadas abaixo, sua câmera rodeando essa mulher em vários cortejos e nuances, como o mesmo Sol que nos ilumina e brilha lá fora, lá no quintal, entre os lençóis encharcados no varal, a atriz na mureta em um momento de descanso, ou de contemplação, sim, também do público por esse cinema.
Então, um pouco de subversão: Essa filha perdida que surge do nada e cuja ambição não cabe no quarto pequeno; A insolência gourmet que não se satisfaz com sorvete de padaria, a tempestade que vem de longe, sem cerimônias, sem madames e doutores, somente a ironia em concurso, ou quase, porque sequer vestibular fez, e cujo turbilhão, aos poucos, vai derrubando as barreiras, cada máscara, cada paradigma desse mausoléu de vários degraus e tabus.
Sim, os mesmos temas, a fratura social de outros filmes do gênero – LA NANA, ILO ILO, GOSFORD PARK -, a delicada questão de filiação e maternidade/paternidade vista do outro lado do mundo, lá no distante cinema de Hirokazu Kore-eda (PAIS E FILHOS), mas aqui com um sabor especial, semi-oculto, diria tupiniquim, de “quebra-queixo”, porque é Casé a estrela, a bondade (in)consciente que abdica de tudo para nos intrigar com a última pergunta, na última cena: “Que horas ele volta, mãe?”. E diante disso, só nos resta sorrir e sonhar. Talvez com o Oscar, pelo filme, pela atriz. E porque não?
RATING: 80/100
TRAILER