Pilulas do Festival de Cannes

Aqui, pensamentos curtos de alguns filmes do Festival de Cannes que não couberam review completo no site e foram publicados na página do nosso editor no Letterboxd:

AMA GLORIA, Semana da Crítica

AMA GLORIA, ame essa menina e cada minuto desse filme que é um mimo de pequenas preciosidades, de como retratar o afeto de (in)finitas formas entre câmera, atriz e… uma criança. Marie Amachoukeli opera um milagre aqui, cada take é um abraço, um conforto, um longo, longuíssimo adeus. Sim, o filme todo é sobre despedidas, mas você não sabe. Vai descobrir na primeira lágrima, ainda com 15-20 minutos de projeção e logo os truques narrativos vão nos atordoando, começa com pequenos afagos, um sorriso, brincadeiras e contos de ninar para, de repente, nos tirar o chão, o ar, a alma, nos jogar ao mar e chorar, chorar e chorar. É como perder a mãe, mãezinha querida.

TIGER STRIPES, Semana da Crítica

tik tok TIGER STRIPES e voilá: um filme que nos conquista em 15 segundos para torcer por essa menina, que parece vinda de um live-action de RED: CRESCER É UMA FERA, mas não é. É o MAL DOS TROPICOS de Apichatpong Weerasethakul invadindo a selvageria de GRAVE de Julia Ducournau, ou além: são os hormônios, a adolescência, a história de uma garota, que é um tigre e vai correr da Malásia, para o mundo. Semana da Critica abre arrasadora!

UM REINO ANIMAL, Un Certain Regard

Filme de mutante em Cannes: C’est très chic mais pas bon… ou em outras palavras é bem meh. É melhor que novela da Record? Sem dúvida! Melhor que HOMEM-FORMIGA ou THOR? Com certeza! Thomas Cailley entretém em sua dramédia blazé, usa dos mesmos signos de X-MEN, amadurece o universo de “Sweet Tooth”, mas não vai muito além. Deve aparecer em algum Festival Varilux pelos efeitos, os atores, mas só.

INSHALLAH, UM MENINO!, Semana da Crítica

Primeiro filme “ever” da Jordânia em toda a história de Cannes, INSHALLAH A BOY é um contundente drama de viúva, um filme sobre herança(s), literal e metaforicamente, senão a luta de uma mulher pelo que lhe é justo, de direito, e claro todos os percalços para esse fim. É um filme de estreia, de sobrevivência, uma história real vivida pelo próprio cineasta que filma sem firulas deixando que o argumento seja o principal destaque desse conto moral em si

THE SWEET EAST, Quinzena dos Cineastas

Há algo aqui, ainda que muito, muito subversivo: THE SWEET EAST, filme de estreia do fotógrafo Sean Price Willians, flerta com a plena ruptura: um cenário underground, punk-rock, selvagem e experimental que leva o público em uma (divertida?) road trip pelo submundo hippie. Lembra em certos momentos, os filmes de Paul Morrissey na vibe e na estética, mas a proposta aqui é mais radical e contemporânea. Um filme, como esperado, extremamente fluido, de sacadas estéticas geniais.

DÉSERTS, Quinzena dos Cineastas

DÉSERTS, estreia do marroquino Faouzi Bensaïdi evoca o frescor das comédias de Elia Suleiman e Roy Anderson, com enquadramentos minuciosamente simétricos, para captar as excentricidades do cenário e recriar esquetes de costumes e lindos tableaux vivants. Então, na metade, o filme se perde, se arrepende da ingenuidade que projetava e se abstrai para a poesia, o drama, os refugiados, se torna quase um (insuportável) faroeste urbano em uma gigantesca barriga de roteiro, uma pena.

BLACK FLIES, Competição

O que devia ser um tributo aos paramédicos, os “anjos de Nova York”, se torna um exercício fútil e cínico, fruto de uma direção paquiderme de Jean-Stéphane Sauvaire, uma trilha tonitruante que acompanha todo o misery porn e um elenco que foi escolhido a dedo para estampar a capa do streaming, donde esse vai sair daqui 2-3 anos. Não há qualquer sutileza aqui e mesmo sendo um filme de emergência, nada se salva. O filme está morto, literalmente.

EUREKA, Un Certain Regard

Cansado desses filmes miojo de Lisandro Alonso donde cada cena se leva 5-10 minutos para se cozinhar e a recompensa é nula. EUREKA, que abre em soberbo faroeste, logo se torna um exercício pedante, um filme inexplicável cuja a história só se entende ao ler a sinopse, nem assim.

RETRATOS FANTASMAS, Sessão Especial

A obsessão de Kleber Mendonça Filho pelos espaços urbanos, a especulação imobiliária, se torna aqui um bonito filme Coutinho donde os entrevistados são velhas imagens e vídeos de arquivo. Cheio de saudade, memórias e donde os coadjuvantes são seus próprios filmes e curtas, o cineasta monta um melancólico conto sobre a ruína dos cinemas com o passar do tempo. Sim, “os filmes de ficção são ótimos documentários”.

ESTÁ CHOVENDO EM CASA, Semana da Crítica

Eis a crônica de uma família francesa contemporânea: a vida de uma mãe (que vai e vêm com suas paixões) e dois jovens largados por conta própria, uma jovem de 17 anos que vive de faxina, um jovem de 15, que vive de roubar turistas. Então, Paloma Sermon-Dai tão somente registra um filme de verão. O faz baseado em sua adolescência, sua história e a dos atores (tambem seus parentes), isso no improviso, na espontaneidade, no idílico Lac de L’eau d’Heure e com tostões, mas sem deixar de lado o panfleto social tão caro ao cinema belga

CONANN, Quinzena dos Cineastas

É a propria cadela dos infernos que nos conta tudo: a cérbero sapata, com cara de cachorro, jaqueta de couro e câmera de paparazzi para lançar seus flashes… do além, ela nos conta, Bertrand Mandico filma, as sucessivas reencarnações de Conann, a bárbara sanguinária, isso desde a aurora dos tempos. O faz como Méliès faria no mais queer, visceral e fluido possível. Seu conto, uma pré-história fantasiada, um trem-fanstama flanando pelas vísceras, o preto & branco, senão o fetiche de um cineasta que não se cansa de nos surpreender.

FIREBRAND, Competição

Filme de trajes, bem enlatadinho, para (re)visitar a história de Katherine Parr, aqui “rainha progressista” na corte do Rei Henrique VIII. É um cinema competente, lindamente filmado e iluminado, elegantemente vestido, mas cuja narrativa – o drama em si – não empolga tanto. Na verdade, carece de certa assinatura, a ousadia de Karim Aïnouz de outros filmes. O destaque fica com Jude Law, um despótico e ensandecido rei, carcomido pelos excessos, a obesidade, as feridas generalizadas e esse desejo doentio de humilhar a esposa de toda forma em algum delírio (ou abuso?) de poder

FECHAR OS OLHOS, Sessão Especial

CERRAR LOS OJOS para esquecer, desaparecer… Victor Érice vai cavocando no fundo da memória, a história de um homem que se foi, sumiu, só nos deixou lembranças – ele próprio não veio à Premiere em Cannes – então, um filme de conversas, fotos, pequenos bibelos e… canções, algumas canções inesquecíveis. CERRAR LOS OJOS para lembrar, eternizar, então de novo cavocar o imaginário para catar uma película que se foi, perdida (e achada) em um algum latão, entre fotos e revistas, um “rei triste” aguardando sua filha, um cineasta aguardando seu filme, esse triunfante a ser exibido em um cinema abandonado. Então CERRAR LOS OJOS pela última vez… e assim chorar.

FLOR DO BURITI, Un Certain Regard

De cânticos e lamentos, FLOR DO BURITI promove um exasperante cinema de guerrilha: ele vai à selva para registrar os indígenas Krahô, suas terras, os ritos ancestrais e a simbiose da tribo com a (dita) civilização. Embora seja ficção, dramatizado pela própria tribo, ele funciona mais como peça de registro histórico e documento cinematográfico.

CRÔNICAS DO IRÃ, Un Certain Regard

RELATOS SELVAGENS de um Irã que caiu na piada. Duvido que os diretores voltem para lá depois dessa afronta.

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FESTIVAIS

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