Anatomia de uma Queda

Sandra Hüller nós faz estremecer: o que ela faz em ANATOMIA DE UMA QUEDA, o que Justine Triet filma, esse feroz tribunal de valores com todas as suas teorias, hipóteses, equações, maquetes, áudios e suspense, a via-crúcis de uma mulher cuja vida é dissecada por um acidente em todos os seus pormenores, perspectivas e afins, ela sempre serena (sem nunca gritar, jamais gritar), cansada demais para chorar e cujo roteiro nos traz um dos promotores mais sanguinários do cinema, olha, não existe palavras… só resta aplaudir.

Então, palmas, porque em julgamento se filma o drama passional onde todos, culpados, inocentes, promotores, defensores, testemunhas, o próprio público se divide no júri, aplaudindo e torcendo uns para os outros, apontando o dedo para baixo, e para baixo, e para baixo, sondando e escavando em pormenores a tal queda – foi acidente? Suicídio? Assassinato? A única testemunha em potencial seria o filho de 11 anos com deficiência visual. E o roteiro vai além, nos carcome entre os reveses e reviravoltas, nos consome entre as dúvidas e certezas, sim, a mesma dialética de uma infinidade de filmes do gênero, o mesmo precedente de 12 HOMENS E UMA SENTENÇA de Sidney Lumet, TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO de Billy Wilder, AGONIA DE AMOR de Alfred Hitchcock, mas esse partilha de certa dramaturgia, primeiro a intimidade entre mãe e filho, depois o próprio relacionamento do casal, e assim, o texto serve para decifrar aos poucos a protagonista, todo um filme-processo para mergulhar no chiaroscuro dessa mulher, sua existência, seu (in)consciente e a percepção do coletivo.

Portanto, uma mulher está no banco dos réus, fato, examinada, exaurida, esmiuçada pelos olhares do tribunal e nós, espectadores presentes. Justine Triet tão somente filma o espetáculo, o faz incansavelmente sobre a esfinge de sua atriz, a câmera sobre a expressão de mármore, de calma, de inocência? Seu filme – ante a anatomia da queda propriamente dita – indo mais e mais fundo na vertigem das próprias relações entre homem-mulher, das (in)consistências do amor, dos tormentos, da convivência e, talvez, da impossibilidade definitiva que outrora Ingmar Bergman filmou como CENAS DE UM CASAMENTO. Logo são dois julgamentos envoltos de mistério, que se embrenham entre si em uma história tóxica e cuja balança, parece, pende sempre para a mulher, culpada ou inocente, não nos cabe dizer, somente estremecer.

RATING: 82/100

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FILMES · CANNES · TIFF · LOCARNO · SAN SEBASTIAN · MOSTRA SP

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