Ervas Secas

O protagonista sequer pisou em ERVAS SECAS e o público logo reconhece os temas de Nuri Bilge Ceylan: de novo, ERA UMA VEZ NA ANATOLIA, a mesma encruzilhada dA ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS, outro filme de começos e recusas, donde o herói anda em círculos, se aproxima, contém e recua em seu próprio crescimento e desenvolvimento, mas aqui a metáfora é mais contundente porque o filme se cobre de neve, imensos espaços brancos com aqui e ali de sinal humano, um ponto de vegetação estéril e alguma estrada lamacenta, nada mais. E o público, atolado nesse fim de mundo, é imediatamente conquistado e fascinado por mais de três horas de projeção, não só pelo texto, mas pela fotografia (literalmente) deslumbrante.

Sempre com uma sensação de desolação e desilusão, seguimos um professor de artes nesse confim, ele repetidamente em uma precariedade eterna, como se estivesse preso, de fato está, a paisagem demasiada majestosa e deslumbrante servindo de prisão, ele próprio, uma “erva seca” sob a neve, ressecado e ressecado pela falta de perspectiva, sua única visão, seu único ponto de escape, a paixão pela fotografia, o que mostra quem nem tudo está ressequido. E por tal personagem, Nuri escreve o debate, os papéis do anfitrião e convidado, os efeitos internos dos sentimentos de alienação, de afastamento do centro e da existência à margem, também as lutas dos residentes nos ermos e a dinâmica do tecido geográfico, étnico ou social que os rodeia. É muito texto, sem dúvida, mas o diálogo é nunca exaustivo, pelo contrário, é sutil, alusivo, extraordinariamente bem escrito, que parece surgir mais da tradição teatral do que a cinematográfica.

Embora a possibilidade (ou interesse?) de amar uns aos outros esteja sempre presente em cena, os preconceitos, a construção de muros, os traumas políticos do passado e o desejo de fazer com que os mais próximos paguem pelos próprios erros, constantemente empurra o protagonista cada vez mais para o isolamento. Nas geografias onde há desânimo em cada rosto, cansaço em cada andar e uma nota amarga em cada voz que ecoa no frio, Nuri tão somente filma as marcas do “destino”, o declínio gradual dos funcionários públicos e professores enviados em tenra idade para o Oriente, eles muitas vezes cheios de vitalidade idealista, mas cujas discrepâncias entre as arengas e a realidade, por vezes transformam-se em decepções, o peso morto de ocupar um ponto no tempo, bem como a sensação de nada. (De certo modo, guardadas as devidas proporções, é um tema que flerta com ZAMA, de Lucrécia Martel).

À medida que se sente a angústia assentada numa terra e na natureza, sente-se a necessidade de reavaliar os conceitos de certo, errado, fracasso e inocência a partir do zero. No cenário de uma região remota e emudecida pelos imperativos históricos, o roteiro transmite um sabor seco, seu protagonista é desagradável, sua consciência é narcisista, um homem desdenhoso, passivo-agressivo, preso na raiva, na paranoia. O filme é todo sobre ele, esse ruminar silencioso donde os silêncios e vazios escondem e revelam uma poeira de significados.

RATING: 78/100

TRAILER

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FILMES · CANNES · TIFF · MOSTRA SP

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