As Quatro Filhas de Olfa

Se outrora Kaouther Ben Hania nos ofereceu uma barganha faustiana, escapelando O HOMEM QUE VENDEU SUA PELE para retratar as fissuras entre um refugiado e suas liberdades, agora ela desnuda AS QUATRO FILHAS DE OLFA para questionar a transmissão dos traumas entre uma mãe e suas filhas. O faz sem demasiado véu, sempre em close frontal, para que a mulher possa falar de si, sua vida pessoal, das suas jovens, uma história que também se torna a história da Tunísia com todas as suas revoluções, restaurações e tentativas de democracia. Ao seu redor, a cineasta constrói um jogo lúdico de cena para preencher a ausência dos desaparecidos, um filme similar ao que Rithy Panh fez nA IMAGEM QUE FALTA, mesmo agora Asmae El Moudir filmou nA MÃE DE TODAS AS MENTIRAS, senão uma representação onde tudo é verdade, porém tudo se reconstrói.

Sim, na tela Olfa ainda é Olfa e o que ela conta, de fato aconteceu, mas o público vê um ensaio tão somente, às vezes com a dublê de Olfa, outras não, suas filhas de verdade ou talvez não, porque as mais velhas se foram para o ISIS, saíram de casa, deliberadamente ou não, muita incompreensão e lamento da mãe em exaustão, assim duas atrizes assumem esse papel e um único ator interpreta todos os papéis masculinos, uma solução simples que combina sutilmente com o tema.

Então, no set a vida começa a ser filmada, ainda que duplicada, em parte por quem a viveu, em parte pelos atores e nesse laboratório, tal cinema se confunde no “making-of” com as diversas discussões de cena, muita interrupção e comentário, situações e camadas, os relacionamentos interpessoais, reais e reencenados, acontecendo ao mesmo tempo. Uma terapia, portanto, o palco para explorar algumas motivações, particularmente como o patriarcado está sendo imposto por mulheres sobre mulheres, de uma geração para a outra, não como forma de obediência, acordo ou crença, mas intuitivamente como forma de resistência. São histórias que nos preocupa, o porquê de um homem abandonar sua esposa depois do nascimento de quatro meninas ou mesmo essa mãe que, não se pode negar – e não é negado no filme -, fez coisas terríveis com suas filhas e cuja dramaturgia desperta sensações conflitantes, uma linha tênue de julgamento, talvez catarse, melodrama ou sensacionalismo, não importa, uma frente inesgotável de debate, onde a religião, a norma e a herança geracional dão origem a consequências assustadoras.

RATING: 72/100

TRAILER

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FILMES · CANNES · TIFF · RIO

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