El Gran Movimiento

É um ovni cinematográfico que circunda a tela, esse estranho, hipnótico, EL GRAN MOVIMIENTO de Kiro Russo: uma sinfonia da cidade nas alturas, a doença de um trabalhador, o pesadelo e sua redenção, não importa, ele surge do nada e ali tão somente nos causa estranheza pelos prédios encarquilhados, a câmera a deslizar pela maré de tijolos crus, tanta pedra e concreto, esse emaranhado de fios e fissuras, o caos dos lambe-lambes colados e arrancados dos muros, isso nos cânions que precedem o altiplano e donde se ouve ao fundo, o rebitar das marretas, o alucinar das sirenes, o enlouquecer das buzinas e todo esse estrondo social de um lugar, veja só a ironia, chama-se La Paz. Um filme que nos intriga, sem qualquer concessão, trilhando um caminho muito pessoal e muito ousado, feito de longos travellings e colagem de cenas para explorar a (i)mobilidade humana em um lugar (poderia ser São Paulo), cujo cotidiano se conta através do ritmo da edição ou truques de fotografia.

O protagonista (que protagonista?) é uma massa disforme de gente à deriva, nesse jardim de cimento e cascalho, donde tudo é sujo, decadente, surreal. Um filme-sudoku, que força o espectador a se arrastar como tais vira-latas, sem história, sem enredo, sem narrativa. Apenas esse poder absoluto, perturbador e hipnótico, de um tecido visual raro, que obriga a todos os neurônios a trabalhar para reconstruir uma trama. Qualquer trama. E esse é o limite extremo dessa coisa chamada cinema, ame ou deixe, não restam dúvidas.

Nisso, aparece uma relíquia, um homem à margem da margem. O homem obscuro que bebe e urina, bebe e come. Que anda por aí e a câmera, sem saber o que fazer com essa pessoa, simplesmente o persegue. O homem que conversa com os espíritos, que se deita na grama para ouvi-los, que revolve a terra para senti-la entre os dedos. Em transe, seguimos sua jornada, ele oriundo da natureza, algo tão notável por sua ausência na paisagem urbana, ele indo e vindo das florestas que marcam a fronteira da salvação. O homem caminha pela noite (ou sonha?). A projeção idem, e enquanto anoitece, uma noite das mais escuras, dessas que engole coisas e pessoas, vemos o cão fantasma, outros cães que vagueiam pela noite pelos caixotes de feira, pessoas desaparecendo e reaparecendo e, num surto (outro mundo?) até uma dança.

Como disse, não há qualquer abordagem narrativa (os acontecimentos em si são dispersos), ao invés disso, um tipo de filme que abduz o espectador apenas pelas imagens, o encadeamento de cenas, e esse curioso olhar tão familiar, que você certamente assiste todos os dias, mas precisa de um filme desses para enxergar. Há algo de Apichatpong Weerasethakul nisso. Um tanto de Tsai Ming-Liang também.

RATING: 73/100

TRAILER

em breve…

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REVIEW · VENEZA · SAN SEBASTIAN

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