Meu Pai

Um filme cheio de caminhos, cantos e corredores, um emaranhado de emoções, de cenas e vai-e-voltas. Anthony Hopkins flutuando dentro das entrelinhas, impalpável, indescritível, imensurável, não se sabe onde, pode ser dentro de um apartamento qualquer, ou de sua mente, ou um gênero que se insinua pelo suspense, enquanto as paredes desse cinema-labirinto não nos permitem ver onde a peça vai dar, então só nos resta seguir esse narrador (pouco confiável) e desvendar o mistério. Fatos: ele é o pai, um homem de 81 anos. Ele vive sozinho em seu apartamento em Londres (ou não), ele recusa (ou não) todas as cuidadoras que sua filha (ou filhas ou nada) tenta(m) impor a ele. E, no entanto, tal necessidade é cada vez mais urgente porque a mulher já não poderá mais vê-lo todos os dias: ela tomou a decisão de se mudar para Paris (ou não) para viver com um homem que acabou de conhecer (ou não).

O que nos surpreende é os mecanismos dessa narrativa: de como a história sutilmente se impõe, inicialmente esse homem confortavelmente em casa, em seu apartamento, mas gradualmente percebendo que houve uma série de pequenas mudanças incrementais. E é aterrorizante vê-lo tatear no escuro, seu mundo mudando sob seus pés e principalmente enquanto ele perde a capacidade de compreender essa mudança. O roteiro, então, se expande; A montagem genial de Yorgos Lamprinos nos confunde.

O resto é o tempo. Tudo se resume ao tempo: Anthony Hopkins é o tempo. Olivia Colman ou Olivia Williams ou Imogen Poots também são o tempo, mas em aspectos diferentes do tempo. O próprio filme, uma adaptação da peça homônima francesa de Florian Zeller, que também dirige essa adaptação, é uma reflexão sobre o passar do tempo, seu protagonista se desviando em um labirinto de perguntas sem resposta, tentando desesperadamente entender o que acontece ao seu redor, enquanto seu relógio insiste em sumir. O tempo se esvai, se perde, lhe é roubado, entra e sai de cena e gira em círculos. O pai sempre em dolorosa trajetória, sua realidade desmoronando pouco a pouco diante de nossos olhos.

Naturalmente esse relógio de pulso é a morte. Ele é o sádico objeto que faz tique-taque para um dia sumir ou quebrar ou terminar definitivamente a história, seja ela a do velho pai que tanto o busca em seu pulso, a de sua filha que tanto o procura, mesmo agarrada à ele com apreço ou a do expectador, já ciente de que perdeu os jogos da sanidade para o subsequente envelhecer. Daí o confronto: nós sempre nos imaginamos eternos, mas MEU PAI diz que não. Ele se recolhe ao quarto para esquecer, ficar mais velho, às vezes passar ali um tempo estagnado de lembranças imaginativas e imagéticas. Zeller constrói esse tempo com muita competência, algo que descreve em francês como “ludique” – melhor entendido como “brincalhão” -, isso contado por um narrador, ora observador, ora personagem, uma versão de grande interlúdio real-fantástico em um filme que – vocês verão – não nos dá uma versão verdadeira do mundo, mas vai além em sua parte: nos conta a história de um homem que cresceu e foi obliterado pelas vicissitudes da vida, um fato inevitável na relação entre pais e filhos. O quarto, sua mente, tão somente é a Terra do Nunca.

RATING: 83/100

TRAILER

STREAMING


Para assistir ao filme, clique abaixo:
https://www.belasartesalacarte.com.br/products/meu-pai

Article Categories:
FILMES · SUNDANCE · TIFF

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.