Entre Mortes

No limbo, esse filme do Azerbaijão, aquele famigerado estranho que lembra Ceylan, a doce e silenciosa luz que lembra Reygadas, a fuga de UM CONDENADO À MORTE ESCAPOU de Bresson, todos suspensos na névoa, os sentimentos, os sentidos, em algum lugar entre o dormir/não dormir, morrer/não morrer, a história de um homem passageiro de um mundo perseguido por homens que ele cruzou não se sabe donde, que o leva de encontro à uma série de mortes inesperadas e uma série de mulheres conquistadas lutando para se libertar não se sabe como. E enquanto viaja, cada morte e cada libertação faz com que as memórias e narrativas surjam, o filme cada vez mais onisciente dessa jornada, senão a busca do lugar onde sempre viveu e ao amor que sempre esteve lá. E com ele – o protagonista -, “vou-me embora pra Pasárgada”, pelo mais onírico, o mais enigmático dos mundos, tal qual um cubo mágico de paisagens.

“Sentir antes de compreender”, dizia Bresson… então Hilal Baydarov filma o etéreo, a razão de estar vivo, presente, aqui, neste mundo. E por tais sensações, a pessoa que está tentando encontrar sua verdadeira família, certa de que isso vai trazer um verdadeiro sentido para sua vida. Toda essa jornada em um dia. Apenas um dia de uma pessoa apenas, ali na estrada nebulosa, sem tempo para pensar, ENTRE MORTES (como diz o título) e de novo arrastado para trás, ao passado e de novo começar a questionar sua vida. E a cada morte que encontra, mudando lentamente e se aproximando de si mesmo. Tal cinema rangendo e remoendo e girando como a roda de um velho moinho, tudo meio filosófico sobre a identidade, o pertencimento e, especialmente, sobre amor.

Sim, “toda a sua vida pode mudar num único dia”, mas o contrário também: “nada pode mudar”, e de volta ao limbo dos dias infinitos entre o céu e o inferno, donde alegria é sempre alegria, dor é sempre dor, e ali sempre se vai e volta, vivendo dentre incertezas e contradições, o céu sempre branco, puro e incolor, intacto porque tal luz exige um prisma diferente para se fragmentar e libertar nas cores da essência humana. Não à toa, o protagonista caminhe em círculos em busca do arco íris, os três homens que o perseguem também, e todos nessa roda, girando, purificando, dando voltas, um sendo reflexo dos outros, e todos presos nesse dia, que pode ser bom, pode ser ruim, apenas um dia preenchendo o vazio da alma, a natureza ali tão vivida e tão invisível. O som monótono recorrente da motocicleta, o comentário em off, a música atmosférica ao fundo, quase imperceptível… estamos mortos? Estamos vivos? Não… estamos no devaneio, na letargia de acreditar no amor, incapaz de amar, e amando mesmo assim. É o limbo.

RATING: 68/100

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REVIEW · TIFF · VENEZA · MOSTRA SP

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