De novo o cinema iraniano às voltas com suas criancinhas. De Abbas Kiarostami (ONDE FICA A CASA DO MEU AMIGO?) à Jafar Panahi (O BALÃO BRANCO), passando por quase todos os filmes de Abolfazl Jalili (DELBARAN, BORDELESS, entre outros), mesmo a própria filmografia de Majid Majidi (FILHOS DA ESPERANÇA, A CANÇÃO DOS PARDAIS) nos deparamos novamente com a infância em CRIANÇAS DO SOL, também sentimental, também pobre. Talvez por seu tamanho, os encantos de certa simplicidade, a pequena saga de desventuras e, ao mesmo tempo, essa agilidade para escapar e surpreender, as crianças iranianas se tornaram a ficção de um mundo tão prisioneiro de seu regime, a única opção imaginável de retratar esse universo – o Irã – sem as consequências vis-à-vis de suas instituições.
Então, o que outrora Kiarostami, Panahi e Jalili fizeram e agora Majidi os faz, é pedir aos filhos simplesmente correr, fazendo o burlesco de uma situação inexplicável de pega-pega com o regime, para esgotar a paciência do paciente. CRIANÇAS DO SOL avança assim, em amável triatlo político, sempre no pique esconde de objetos perdidos, noutros filmes um caderno, um peixe dourado, um sapato, agora é um tesouro. A própria palavra “tesouro” já emociona a todos. É algo especial, mágico, um inesperado sinal de esperança. E curiosamente escondido sob uma escola, sim, numa justaposição adorável porque revela as reais intenções do cineasta com as crianças e seu potencial: o direito inalienável à educação. Um minidrama que se desenvolve agradável e comovente, às vezes tenso, sempre buscando a poesia dos pequenos, os amores e desamores, os sonhos e aventura, pelos bairros pobres, as ruas estreitas, as barracas miseráveis, nessa gigantesca Teerã-favela.
O resultado da “caça ao tesouro” é um filme gentil às crianças e bastante ágil aos adultos. Um lúdico cinema-corre-corre que gera sua própria energia lutando contra “o sistema” claustrofóbico, o mesmo tabuleiro que a Itália jogou na fase neorrealista, mas aqui em cores, mais moderno e alucinatório no tom de uma gangue mirim. O charme (ou ensinamentos?) fica nessa autenticidade irrefutável e ajuda o público a se relacionar, se inspirar, tanta paixão, tanta imaginação, difícil não ser cúmplice. De fato, nas entrelinhas estão o caráter realista da vida moderna: o trabalho infantil, o crime, a insegurança, a pobreza, refugiados afegãos e sua ansiedade sem fim, mas toda essa série de distúrbios e dores dificilmente nos levam ao desespero, porque o olhar do cineasta é sempre repleto de vida, como se fosse ele o garoto determinado a encontrar o tesouro e salvar sua mãe.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Celluloid Dreams, incluso a entrevista com o diretor
RATING: 72/100
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