Depois de sua opera magma underground dos anos 80 – NICO, 1988 -, uma estreia subversiva que homenageia a musa de Andy Warhol, senão a vocalista do The Velvet Underground, a cineasta italiana Susanna Nicchiarelli retornou aos leões, seguindo seu caminho na biografia feminina e feminista de MISS MARX, embora nesse caso, de certa forma, de cabeça para baixo, com uma protagonista bastante diferente: brilhante, culta, livre e apaixonada, Eleanor – a filha mais nova de Karl Marx -, se destoa por ser uma das primeiras mulheres a abordar os temas do feminismo e do socialismo, militante da luta dos trabalhadores, da luta pelos direitos das mulheres e da abolição do trabalho infantil, ela foi tradutora de obras teatrais e literárias (a primeira a traduzir “Madame Bovary” e as obras de Ibsen, que ela também interpretou no teatro como atriz). Sim, uma mulher de forte convicções políticas, mas extremamente frágil nos sentimentos, sempre à caça de Edward Aveling – socialista, dramaturgo e ator – pelo qual ela era perdidamente apaixonada.
Então, com essa aparente inconsistência entre as dimensões pública e privada, Nicchiarelli filma Eleanor diante do abismo, sua câmera tentando captar a complexidade humana dessa personagem, a fragilidade das ilusões, a toxicidade de certas relações românticas. O faz sob signos modernos, certa euforia rock´n´roll, sobretudo a busca da emancipação feminina, e não à toa fugindo dos estereótipos do século XIX, porque a ideia é desconstruir mesmo o gênero, as profundas contradições dessa narrativa, da época, do imaginário comum. A começar pela figura do “pobre homem” oitocentista, sempre um pouco falsa e tranquilizadora. Aqui, os trabalhadores surgem sob um fundo borrado e nebuloso, os homens estão destorcidos, exceto aqueles que rodeiam diretamente Eleanor, porque o filme é sobre Eleanor, um rosto nessa multidão, nesse filme de personagens, não de loucos.
Embora se fale também do movimento operário, a cineasta se mantém afastada da cena de massa e de certo moralismo. Sua referência é A HISTÓRIA DE ADÈLE H., de Truffaut, então tal cinema é um filme essencialmente de rostos, obsessões e pensamentos e, claro, Romola Garai, a inconsistência da realidade, a realidade da inconsistência, a mulher em tons cinzas que oscila entre razão e sensibilidade, corpo e alma, emoções e controle, romance e positivismo, feminino e masculino… uma mulher além do seu tempo, de transgressora simplicidade, de geniosos ideais, uma força incansável decidida a seguir a obra do pai. E segue adiante.
RATING: 70/100
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