A Herdade

A HERDADE é um fardo, uma Quinta e sua maldição, o que nos torna e cerceia, as escolhas que levamos adiante, os erros que deixamos para traz, algo que nos faz ser e agir, que nasce e morre conosco e é passado adiante e pelo qual herdamos um dia; uma magnificência como poucas vezes vista no cinema português, a metáfora de um homem e seu latifúndio nos arredores de Lisboa durante a Revolução dos Cravos, enquanto os poderes se desintegram e se reorganizam, alguns caem, outros sobem, e o protagonista se adaptando, lutando por essa terra e seus cavalos, defendendo os celeiros e milharais. Assim, a história de um país aos olhos de João Fernandes e, depois, a decadência de João sob os olhos dos filhos. Tiago Guedes filma um espetáculo visceral, lusitano em essência, e o faz à sombra de Sergio Leone e Anthony Mann – os longos planos abertos, os faroestes perdidos no meio do nada com personagens enigmáticos e seus segredos obscuros – para, depois, dali partir ao melodrama, e nos porões citar Vincente Minnelli e Elia Kazan.

Filmar um épico, o conto de um homem “maior que a vida” e toda essa terra que o cerca, foi ideia do mítico produtor Paulo Branco – a qual cito apenas MISTÉRIOS DE LISBOA (Raoul Ruiz), 1900 (Bernardo Bertolucci) e tantos filmes de Manoel de Oliveira -, ou seja, é um projeto inescapável, poderoso, majestoso, capaz de nos arrebatar frame a frame por sua beleza pictórica, nos consumir pelos tormentos de Albano Jerónimo, o próprio João, seus amores e sua ganância, esse homem secando todos ao redor para tão somente morrer velho e abandonado. Ali, na figura do “coronel”, cheio de contradições, capaz de defender a todo custo seus trabalhadores e, todavia, incapaz de amar a esposa e filhos. Um personagem embrutecido, imperfeito e incomunicável, que vai se desgastando e desfazendo até sobre nada: Um menino em uma ilha.

E então essa terra em Cinemascope, a Herdade da Barroca d’Alva em Alcochete, um cenário quase romântico, mas donde os ventos – o Suão – quase lhe põe louco, uma enorme pastagem a céu aberto para refletir a secura do protagonista – tão esparso em palavras, e donde os figurantes-aldeões podem trabalhar e viver, donde os cavalos correm a galope e o cineasta filma, fino artesanato cinematográfico. Sim, o final, o estilhaço da família soam menor, a projeção de 166 minutos parece um tanto longa demais, mas o conjunto, de certa forma uma ideia de circularidade, arremata uma grandiosa obra.

(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Leopardo Filmes, incluso entrevista com o diretor e ator
RATING: 73/100

TRAILER

Article Categories:
REVIEW · TIFF · VENEZA · MOSTRA SP

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.