As Maravilhas

Eis AS MARAVILHAS no cinema: um passeio de abelha na boca de uma menina, a história de Gelsomina, a queridinha do pai, esse alemão que se converteu à apicultura para viver com a esposa italiana e as quatro filhas em liberdade, longe de uma modernidade considerada “decadente”. O preço desse livre-arbítrio é uma organização dedicada – única e exclusivamente – em cuidar das colmeias e do fardo de fazer mel em modo artesanal. Um paraíso então, de alguma forma distante das muitas e variadas ameaças externas – a indústria, o capitalismo – aqui tão somente a labuta de camponeses trabalhando a terra como no princípio do mundo, um lugar rústico, pastoral e um tanto opressivo pela figura patriarcal.

E apesar desse encanto de fragrâncias arcadistas, as meninas crescem com seus próprios desejos, em oposto às vontades do pai, da vida comunitária ou da utopia laboriosa. As jovens querem entrar na modernidade, compartilhar dessas “maravilhas”, participar da (suposta) realidade, mesmo que seja num reality show. Para o pai, é o fim do mundo (seu mundo), ainda que também esteja impressionado com esse conto de fadas, personificado pela sedutora Monica Bellucci.

E assim, seguindo os mesmos temas de CORPO CELESTE, a cineasta Alice Rohrwacher novamente se inclina sobre as fraturas morais e ideológicas de uma pequena comunidade. Uma crônica delicada e sensível, sem qualquer problema palpável, claro, apenas a tensão que está na base dessa relação entre pai, esposa e filhas, todos expostos sob uma câmera naturalista, meio distanciada, meio dissidente, como se o foco fosse apenas a vida rural, as delícias do campo ou a fantasia enganosa além de pessoas de carne e osso. Um mundo que toma a palavra e o microfone através da televisão regional e suas competições absurdas, incluso aí as coreografias rudimentares e melodias centenárias, mas que afinal prometem maravilhas para o povo local. Um mundo que poderia explodir, como seria tão óbvio diante de tanta frustração, mas que Rohrwacher prefere preservar. Talvez pela nostalgia, talvez pela verdadeira maravilha que é assegurada pelas abelhas e tão divulgada pela boca dos imaturos como Gelsomina, que tem o nome de uma flor e a flor é como uma isca para as abelhas.

RATING: 72/100

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FILMES · CANNES · RIO · MOSTRA SP · ROTTERDAM

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