Começa em silêncio e estranheza num lento vagar pela casa, pessoas surgindo, portas e janelas se abrindo… a família chega para o feriado comum, tão feliz quanto possa se estar. O detalhe é o desassossego, esse mal-estar de sentir-se vigiado que logo surge, a falta de segurança que nos provoca (por instinto?) trancar as mesmas portas e janelas. Para os alemães, donde esses FATORES HUMANOS se passa, deve ser um verdadeiro filme de terror. Para nós, brasileiros, é de novo O SOM AO REDOR, a violência latente que nos espreita em cada frame. Curioso como o título evoca algo que obviamente a encenação abstém. O filme se fragmenta em pontos de vista, indo e vindo no tempo para preencher as lacunas, tentando personalizar o que é impossível. E depois, o próprio diretor – talvez por uma opção estética – se mantém ao longe, seguindo seus personagens pelas costas, tal qual um intruso. Fora a fotografia invernal, a trilha sinistra, esse azulado melancólico, o suspense aos poucos cede para uma narrativa de FORÇA MAIOR e a completa desestruturação de algo tão tênue. O resultado é uma porta que se fecha com o vento, um filme que vai e vêm como um trem ao longo da janela e você ali, indiferente.
Na tela, nada extraordinário: a história de uma jovem família moderna de uma grande cidade alemã. Como tantas outras, são cosmopolitas de mente aberta, bem-sucedidos em seus trabalhos criativos e pais dedicados. O estopim é uma misteriosa invasão domiciliar – ou não -, tão somente a fagulha para o aperto desse núcleo, o explodir da narrativa em várias percepções para observar algo que já não ia bem. E que Ronny Trocker recria no suspense, como outrora Michael Haneke o fez em CACHÉ, como recentemente Visar Morina tentou no cossovar EXIL, o próprio Kleber Mendonça Filho faz tão bem, e aqui novamente no medo e na incerteza para manipular nossa mente.
De diferentes pontos de vista e assemelhando-se a um espelho rachado, o filme enfatiza os conflitos internos. Os loops narrativos, que não são imediatamente reconhecíveis como tal, empurram a narração adiante. A cronologia dos eventos torna-se menos importante e a perspectiva a partir da qual são ditos, mais significativos. Para o diretor, “em um mundo hiper medianizado, onde tudo se torna imagem e marketing, da vida privada à política, a percepção é facilmente manipulada”. Então vemos a família nesse enrosco, girando e girando em círculos, como se fosse um hamster em uma bola. E é peculiar vê-los presos nessa história, como se fosse uma série dark de Wandavision, porque eles próprios – como donos de uma agência de publicidade -, são profissionais em controlar a narrativa. Mas não aqui, não agora, o que torna um paradoxo: diante de processos de comunicação cada vez mais sofisticados, também superficiais, essa família é incapaz de se comunicar. O filme idem. E todos ficam somente a observar ao longe, sem nenhuma atitude, cada um em seu próprio mundinho. Um trem passa ao longe e fim. Bocejo.
RATING: 67/100
TRAILER