Taste

Uma viagem visualmente impressionante e enigmática é a estreia do vietnamita Lê Bảo nos cinemas: seu TASTE é difícil de descrever, percorre linguagens cinematográficas conhecidas, o chiaroscuro de Pedro Costa, a composição “tableau vivant” de Roy Andersson, mesmo o fluxo narrativo de Tsai Ming-Liang, mas tal leitura parece uma tentativa descontextualizada de entender esse trabalho porque é uma visão completamente nova, expressiva e singular. Seu filme respira Saigon, não as memórias de guerra ou o cheiro da papaia verde, mas o esgoto da favela, o suor dos trabalhadores, esse mofo que acinzenta as paredes e entorpece os sentidos e percepções. É um filme de impacto e pausas. Um lugar onde todos os níveis de emoção podem ser empurrados para seus extremos e, em seguida, irromper com alegria e dor ao mesmo tempo. A experiência de visitá-lo, é adentrar por um pequeno buraco depois de sucessivas derrotas e reunir ali os destroços. Contar as migalhas, mastigar e digerir tudo em cinema, em poesia visual.

A história – que história? – flerta com os sonhos, as memorias, a própria infância do diretor, descreve um fluxo de pensamentos e sentimentos, a intersecção entre o surreal e o real. Trata do mistério absoluto da existência humana, fala de um senegalês que veio ao Vietnã jogar futebol, mas foi demitido. E nesse remoer de melancolia, passa a morar em uma casa meio abandonada com quatro mulheres de meia-idade (um porco também). Andam nus, ficam calados o tempo todo, fazem sexo, cozinham e se lavam constantemente, aparentemente o básico para sobreviver. Talvez rejeitem a humanidade. Talvez edifiquem uma sociedade. O texto não diz nada, pelo contrário, se rasteja lentamente por nossas retinas ao ritmo do rio, na forma como as pessoas se movem ou se sentam em um estado de indeterminação, a imagem muito crua, animalesca como um porco a grunhir.

E essa solidão incessante a pontuar cada cena, apenas homens e mulheres muito calmos e quietos a vagar pelos quartos vazios e escuros, assim como fantasmas compartilhando intimidades. O olhar vago, distante, quase um fluxo de tristeza a emanar pelos corpos. De certa forma, o cineasta vampiriza essas emoções, não só a textura dos corpos, a respiração da saudade, mas também todo um tempo estagnado. Sua câmera sempre seguindo a pele e o tempo e as emoldurando em estática e êxtase, nos inteirando da sinestesia desse espaço mínimo, quase nenhum móvel, nem janelas. Esse santuário tão somente para revelar as pessoas e elas estão nuas nele, despojadas da essência do que são, ou do que sonham ser. Lê Bảo as despe completamente para focar no mais ínfimo sentimento, o alimento em um mundo alternativo e diferente. E o faz com rara fragrância de beleza, com fome de elementos primitivos e pictóricos. Se o gosto é amargo ou não, cabe ao público decidir.

RATING: 74/100

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FILMES · BERLIM

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