Como o título enfatiza, MÁ SORTE NO SEXO OU PORNÔ AMADOR é pura pornografia, um esboço de filme popular, desses que se vende fácil como tabloide de banca ou romance de verão, embora não seja tão “popular” assim, apenas um rascunho possível de um cinema romeno. Sim, ainda é um filme de sexo, afinal a razão de ser da pornografia é mostrar o sexo, ele ainda abre em uma “trepada azarada ou pornô maluco” e se encaminha para uma suruba justiceira ao final, mas o que Radu Jude realmente faz, além de interligar tais cenas de sexo, é justamente preencher as lacunas com suas próprias visões, diria um breve dicionário de anedotas, sinais e maravilhas. E ao fazê-lo, em dado momento rasgando o véu da encenação, senão as andanças de uma professora que acidentalmente vazou sua sex tape, o cineasta define um marco obsceno: não o ato sexual em si, mas os pequenos atos de hipocrisia, a putaria de tempos pandêmicos. E essa talvez seja a comédia (ou não): confrontar dois cenários distintos e perceber o quão a chamada obscenidade, literalmente a que se vê no vídeo pornô, não é nada comparada com esse “novo normal”, isso que vivemos, mas não prestamos atenção.
Então, o que vemos é uma história contemporânea, uma pequena, pequena anedota de práxis, insinuações e sitcom, donde a História e a política fazem parte, assim surgindo do nada com notícias alarmantes. Do desespero dessa professora em controlar o vazamento de sua intimidade, indo e vindo pelas ruas de Bucareste, o transito caótico, gente buzinando, gente sem máscara e gente por toda a parte, logo o filme pede um respiro. Um longo take para a fachada de um cinema abandonado e corte. Nesse momento se faz uma digressão porque é imperativo ao diretor explicar, termo a termo, como caminhou e caminha a humanidade até então, contextualizar o público, social e politicamente, sobre o que de fato é a obscenidade em todas as suas metáforas. Isso da forma mais didática possível, com verbetes e explicações, fragmentos de cena, internet e arquivos, palavras simples – “aborígines”, “militares”, “dinheiro”, “turismo”, “competição”, “cultura” – outras mais ousadas – “luxúria”, “eficiência”, “garota da página 5”, “boquete”, “política”, “salário” -, cada sentença, um convite para ver um glossário do abismo da sociedade e de certo modo contextualizar o sexo-dialética do capítulo final, donde a professora finalmente vai ao tribunal do cancelamento.
Portanto, um filme em três partes que se envolvem de forma poética – e entendendo “poética” como a resposta fundamental para um problema de construção histórica, nunca orientado para a simplicidade, mas cujo poder de tornar visível os legados, anacronismos e contradições de um “hoje” que afeta cada objeto, cada evento, cada pessoa, cada movimento. Ao final, tal fetiche filosófico pode ser apenas piada, talvez um entretenimento peculiar, assim o cineasta lhe questiona, lhe põe as opções, renuncia o final de sua “história”, mas ao fazê-lo, consegue nos mostrar que a história não pode ser, sem todas as complexidades do tempo, todos os estratos arqueológicos, todos os fragmentos perfurados do destino, o que verdadeiramente o é: uma grande galhofa, ato explicito.
RATING: 75/100
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