Julieta


Com JULIETA, Pedro Almodóvar retorna ao drama, À PELE QUE HABITO, aos ABRAÇOS PARTIDOS e, ao VOLVER a esse gênero, o faz com poucas palavras e duas mulheres, Adriana Ugarte e Emma Suárez. Na verdade, são a mesma Julieta em épocas distintas: 30 anos a separam, entre o Acaso, o Logo e o Silêncio, a mesma protagonista às voltas com seu passado, entre o trágico e o belo de encontrar um homem no trem, depois a insegurança e o desejo de se tornar marido e esposa. E ao seu redor, o universo encriptado de Alicia Munro, em pontos extremos (Galícia, Pirineus e Andaluzia), em épocas extremas (1985 e 2015), sua mão em cada conto, seu olhar em busca dos silêncios, da rotina, dessa dor insuportável que se oculta no indecifrável.

Um filme de mulher, para mulheres, sobre o universo feminino, tanto em símbolo, como em mitologia, e como tantos outros no universo almodovariano. Em cena, os homens são meros bibelôs, peças de decoração para sexo e morte. Pouco falam. Não sentem. Estão ausentes. Enquanto Julieta dedilha por seu destino em cocção lenta, um melodrama triste como uma canção de Chavela Vargas. E o faz em três fases, três sequências do poder das mulheres e como elas moldaram os homens com ajuda do barro e do fogo: O homem ali, um objeto pequeno, uma escultura fálica embrulhada em plástico bolha, passado de mão em mão, de casa em casa, pouco importam. É a mulher que dá a vida. É a mulher, a personagem mais forte. É ela que luta, administra, sofre e desfruta de tudo o que a vida traz consigo. Apenas o destino é mais forte do que ela.

E por esse destino, embarcamos num trem, senão o desejo humano, numa sequência à noite, em um lugar que é tão metafórico, quanto significativo. E é nesse comboio que ocorre o Acaso, o contato com os dois polos da existência humana: a vida e a morte. Ambos unidos pelo amor físico. O sexo como resposta a fatalidade. É o destino.

Depois, o Logo: Nesse episódio a filha de Julieta parte para a vida. Julieta vê-la passar pela porta e desaparecer, descendo as escadas. A cena desperta memórias, a primeira no trem diante de um estranho, a segunda com seu amor que se perde no mar. É o destino.

E por fim, o Silêncio, o branco, o vazio… As despedidas trágicas, o estranho, o marido, a filha. Pela trilha de Alberto Iglesias, sempre voltamos ao trem, ao inegável destino fatal, ao elemento que escurece o drama e lhe dá uma aparência noir. E é nesse momento que Chavela desperta e cala Julieta: “Se você deixar, meu mundo está chegando ao fim, um mundo onde só você existe. Não deixe, eu não quero que você saia, porque se você deixar esse é o momento em que vou morrer”. Esse é o destino e o filme de Almodóvar.

(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela El Deseo, incluso a entrevista de Pedro Almodóvar e Alicia Munro
RATING: 78/100

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BÔNUS

Article Categories:
FILMES · CANNES · FILMES LGBT

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