La Chimera

A Itália das misérias e trapos de sempre, a Itália eternamente esquecida na (suposta) inocência popular, sim, Alice Rohrwacher acredita profundamente nos seus últimos entre os últimos oprimidos, como outrora Ermanno Olmi e Pier Paolo Pasolini antes dela, e novamente aqui em LA CHIMERA, um conto de fadas salpicado de realismo mágico, a cuidadosa arqueologia de fazer cinema e nos contar uma história singela com todos os seus adorados temas de referência e inspirações e visões e predileções, escavados e escavados infinitamente em (outro) épico de brandura camponesa e proletária. O que se vê na tela, portanto, o que se descobre é um tesouro de migalhas, bibelôs clandestinos e aventuras misteriosas, senão uma trupe de tombarolis que se perde na poeira, pequenas maravilhas de gente maravilhosa em película.

Não à toa o título evoque uma quimera, essa combinação incongruente de coisas, achados, pessoas, histórias de esqueletos e fantasmas, de fugas e escuridão, uma busca incessante por algo que não se pode encontrar, seja para o bando, o sonho da riqueza fácil, seja para o protagonista, as migalhas da mulher que se perdeu, cada um desafia o invisível, procura por toda parte, entra na terra – em busca do além do qual falam os mitos – e por tais caminhos entre os vivos e os mortos, entre florestas e cidades, entre celebrações e solidões, desenrolam-se destinos entrelaçados, passado e presente em tumbas etruscas, cacos que a cineasta cuidadosamente recolhe e reúne para nos entreter.

Um filme minuciosamente trabalhado, a fotografia ora em 35mm para os afrescos, a iconografia e ilustrações em grande escala em livros de contos de fadas; ora em super 16mm para retratar as peripécias, o ato de contar histórias e de síntese que, como num passe de mágica, nos leva direto ao coração da ação; por fim em 16mm, roubada de uma pequena câmera amadora e cujo efeito lembra anotações feitas a lápis nas margens de um livro. É um choche de muitos fios para tecer esse pequeno monstro mitológico de saberes populares, o tempo desacelerando, acelerando, cantando, proclamando, ouvindo… a história de um homem pelo qual se vive a história dos homens.

Assim como Orfeu em busca de Eurídice, o protagonista sente que cavando poderá encontrar algo que perdeu, como se atravessasse a famosa e célebre “porta para a vida após a morte”. Ali estaria Beniamina, a mulher que se foi anos antes, seu tesouro. E por essa busca, ele descobre outra Itália, alegre e viva, supersticiosa e cómica, algo que poderia amar… falo de Carol Duarte. Alice naturalmente fala de todas as Itálias.

RATING: 74/100

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REVIEW · CANNES · TIFF · MOSTRA SP

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