E Então Nós Dançamos


É a religiosa tradição georgiana, dizem. Uma estrita dança folclórica que nos remete ao império mongol, turco e otomano. À corte de Alexandre, o Grande, Gengis Khan, e o patriarcado guerreiro que dominava as montanhas, as planícies, o mar. Uma dança de homens, de punhais e de guerra. Um bailado de luta ao som dos tambores e atabaques, flautas e alaúdes, um homem, uma mulher, ambos nas pontas dos pés, simbolizando o entrave do amor, da coragem e o respeito nessa rinha de firmeza e habilidade. O tema do folguedo é um casal apaixonado, perturbado por outro homem. O tema do filme é um homem apaixonado, perturbado por outro homem. No tablado, todos se reúnem, de preto, eretos, braços esticados, peito estufado, a dança começa, o filme começa, E ENTÃO NOS DANÇAMOS! Nesse frenesi, o homem não deve tocar na mulher, nem mesmo a sua roupa deve tocar nela, mas nada é dito entre os homens. Então um toque, um movimento, um cheiro, o tablado estremece e Levan Akin filma o impensável.

E nesse ballet cinematográfico e marcial, o diretor ensaia sua apresentação mais moderna. Logo, um conflito começa entre os dois homens e os seus. A luta na dança é feita com espadas e escudos. A luta no filme se faz no sensual e sorriso. Nessa peleja, seu maior concorrente é seu maior desejo. No palco, a ação prossegue até a mulher deixar cair uma pequena parte de sua roupa. No cinema, isso vai além do traje vermelho, da peruca branca, até finalmente o beijo, hesitante, afoito e rapidamente escondido porque tal cena não é permitida sob a mentalidade arcaica. A luta recomeça, a dança prossegue enquanto a mulher tiver adereços para largar, mas o protagonista, esse já está completamente nu, despido de qualquer razão nessa coreografia de novas aspirações.

Um filme feito sob estrito segredo e pressão. Idealizado depois da malsucedida Parada do Orgulho LGBT na Geórgia, da brutal reação da Igreja Ortodoxa, da sutil censura no país e donde a dança, naturalmente, é a provocação máxima, o enfrentamento entre a tradição e a modernidade, o foco do debate porque é inserido aonde o povo mais se orgulha, na sua cultura ancestral, nessa espetacular dança de beleza, gloria e poder, outrora entre um homem e uma mulher que não podiam se tocar, agora entre dois jovens que não podem se amar. E então nós dançamos, em suas voltas e reviravoltas, entre os dois personagens, nos tênues estágios de um romance homo, perturbados pela curiosidade desse contexto georgiano, encantados pela refinada tonalidade dourada, ali vemos os passos de um filme íntimo, extraordinário e tocante. Ao final, é difícil permanecer imóvel ao que se vê (e sente) na tela. Um sentimento que faz jus ao título.

RATING: 82/100

TRAILER

Article Categories:
FILMES · SUNDANCE · CANNES · RIO · FILMES LGBT

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