SEM DEUS. Sem perdão. Nenhuma misericórdia… E é nessa cápsula do tempo chamada Bulgária, no lento e obscuro gotejar oculto pela cortina de ferro, no nevoeiro que aos poucos se revela em ruínas no cimento, na paisagem urbana mais triste e desgastada, na ressaca socialista dos anos 60, que vemos um filme dilacerante, estranhamente raro, filmado no osso, nos rostos e nos olhares e, em especial, na expressão notável de Irena Ivanova e sua conexão com esse espaço. E tudo inevitavelmente marcado pela exploração e a degradação moral, como dita essa escola pós-comunista de cinema.
Um lugar donde cada divindade está morta, também a protagonista, essa enfermeira que vaga de casa em casa, iludindo, enganando, roubando a identidade de cada um, senão crianças perdidas de uma geração que se foi, enferrujou, escureceu. Para esses velhos não existem Deus, mas também lhe faltam qualquer resquício de democracia, direitos ou moralidade. Seu mundo se assemelha às suas almas, tudo tão cinza e melancólico, tão impiedoso e impassível. Ali, estão condenados ao inferno, à dor de jazer em suas camas e ali morrer esfomeados, endividados, desacreditados. Se Deus é capaz de perdoar, nessa história não há perdão. Não há amor. Apenas Gana.
E pelos olhos de Gana, vemos um país empesteado de miséria, de pessoas perdidas, em condições precárias, na solidão, na corrupção, com as gangues a reinar, zombando da lei, eles próprios a lei. Enquanto essa mulher, quase um zumbi, transita pela projeção, impassível, apática, assexuada. Não há vida ali. Exceto pelo olhar. E é ali que vemos a tormenta, tantos pensamentos, quase uma estranha mistura de engano e arrependimento. E esse é o prisma através do qual o espectador é convidado ao juízo final. Para o bem. Para o mal.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Heretic Outreach, incluindo a entrevista com a diretora e notas de produção
RATING: 69/100
TRAILER & STREAMING
*** video on demand somente com legenda em alemão, inglês, espanhol, italiano e francês ***