Durante um dia em Paris, jovens de diversas tribos e etnias parecem realizar os mesmos movimentos nas ruas da capital e nas estações do metrô. A impressão é de que seguem um plano, ainda que independentes uns dos outros. Ao final, eles se encontram em uma loja de departamentos, no fim do dia. E, então, começa a noite… E com ela, esse filme ultra contemporâneo de Bertrand Bonello, concebido como uma panela de pressão, urgente, claustrofóbico, incisivo, donde cada história, cada personagem é em si, uma insurreição, uma revolução. E nessa premissa, rapidamente inclinado para um cinema de gênero, pela forma, o suspense e os porquês, logo se sente a tensão inevitável, palpável, ali sem qualquer introdução. Apenas ação e reação, inexplicável, injustificável. Um pesadelo. NOCTURAMA.
Da realidade à ficção, do exterior ao interior, Bonello filma essa história em fragmentos, cada personagem isolado, distante, em movimento constante, o thriller nos tirando o fôlego com tantas idas e vindas. Depois, com a noite e o grupo reunido, vemos as intenções mais claras, os fatos transitando para a abstração. E nesse mundo aparte, sem quaisquer janelas, celulares ou exterior, ali, “Paris é uma Festa”. Ali, o tempo passa.
De dia, diante da sociedade, desse ambiente ou da vida diária, é uma ideia da repressão, do capitalismo, da asfixia. A colisão entre a juventude, os subúrbios e uma Joana d’Arc em chamas, senão a inspiração punk, um símbolo hipster ou a ideia da França, hoje. Na tela, é um discurso político e crítico, claramente às instituições financeiras, ao Ministério da Justiça, à mídia, à opressão econômica e tudo o mais que cerceie os pensamentos e liberdade.
De noite e, depois de ter atacado violentamente o mundo exterior, é uma ideia de ilusão, de personalidades, de utopia adolescente. Ali, nessa loja, eles estão presos. Eles são capturados. É inevitável tal desejo. Cada um se encontra em uma área diferente da loja. Porque é isso que eles gostariam de ser, sonhar, precisando ou não. Há duas cenas, por exemplo, onde um personagem se vê face a face com um manequim vestido exatamente como ele. No primeiro caso, somos confrontados com o consumismo, no segundo, com a morte.
Nesse filme, tudo é (aparentemente) simples. Um grito de liberdade, mesmo que seja artificial. Quase um transe. Uma dança hipnótica. Eis o manifesto. O horror. O vazio. Que aos poucos descarrilha, muito forte, como um martelo na bigorna, um soco no estomago, ou um insano golpe (de mestre).
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Wild Bunch, incluindo a entrevista com o diretor
RATING: 78/100
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