ANTES O TEMPO NÃO ACABAVA. Agora acabou: Dos antigos rituais de inicialização, das sonolentas formigas de fogo em infusões de folha caapi, de seus ferrões cuidadosamente costurados em luvas de palha para a comunhão entre os mundos, tudo isso se foi… Resta o índio. O índio que monta aparelhos de ar condicionado para os homens brancos. O índio que dorme em cabanas de tijolo cru na favela de homem branco. O índio que sofre a doença de homem branco, mas não tem a sua identidade. Seu nome. Isso lhe é negado.
E desse conflito entre a tradição e a modernidade, do “ser” índio e do “ser” urbano, Sergio Andrade e Fabio Baldo filmam os tempos mortos, o índio que deseja, mas não pode, que grita, mas não é ouvido. Filmam os minutos, os segundos, cada ferrão dessa existência, a várzea, o submundo, os costumes perdidos na selva de pedra. O tempo que se esgota no trabalho do índio guerreiro. A câmera o circundando numa estranha dança, como o frenesi apoteótico de um velho xamã entoando antigos feitiços. O eco, ao longe, se perdendo no espaço como se fosse zombaria dos deuses.
Na tela, o que vemos não é um filme de índio… É um filme de fantasma. É ninguém. É nada. Alguém transitando no limbo, no purgatório, entre a floresta e a cidade, entre os mundos alternativos, possíveis existências, quase num documento etnográfico que nos fala de migração, miscigenação e orientação. É um filme de clausura, de camadas ambivalentes de desejos e tensões, retração e expansão. Tudo imbuído nas cores da Amazônia e nos símbolos nativos. É, sobretudo, um filme de rebeldia. De mudança. E de um tempo que naturalmente já passou e se perdeu, engolido pela cidade grande.
RATING: 68/100
TRAILER