MARAVIGLIOSO BOCCACIO, divina comédia, aos violinos, ao canto profano, ao vento que nos corta, à imagem que salta à tela, literalmente. Estamos em Firenze, 1348, tempos de peste. Um homem se vira e admira seu público, a natureza, sua vida. Depois se atira. É o início de tudo, do antológico livro de Giovanni Boccaccio, do novo palco que Paolo e Vittorio Taviani nos encena. Um salto de fé: A carroça que corta a tela em pleno vermelho, em pleno teatro, numa época donde se morre sem contemplar a vida, ou aproveita-la. O vento… O beijo… A filha que se vai. As pessoas que se vão enquanto a cidade definha. Restam poucos. Resta fugir.
E ao fim do mundo, resta viver: Dez jovens em carpe diem de contos, pães e amigos. O antigo Decameron encenado em falso musical, em anedotas e, assim, os dias prazerosos, as horas de ventura, até a noite cair, as velas serem acesas, sem romance, sem inveja, apenas a juventude e suas virtudes. Então que venha a Prudência, a Justiça, a Fortaleza e Temperança, depois a Fé, a Esperança e Caridade e, com elas, seus amantes, a Razão, a Ira, a Luxúria. Que venha nos contar essas histórias, nos encantar!
Amor, ressurreição, praga… A bela Catalina cai enferma enquanto seu marido Niccoluccio aceita docilmente seu fim. Abandonada numa cripta, um velho amante lhe encontra e chora. A moça dorme em belo sono. O jovem lhe admira mesmo assim. Os lábios gélidos. Os seios frios. O pulso pálido ainda pulsa. Ela está viva. E dos mortos, ela é conduzida ao campo. As janelas se abrem, o vento sopra, a música toca. O prenuncio de uma opera que nunca toca porque Niccoluccio surge do inferno e ela está no paraíso. Outro dia, outro curta, e agora se conta as burlas de Bruno e Buffalmaco sobre o pobre Calandrino que acredita na pedra filosofal que o torna invisível, e supõe-se invisível pela cidade até a coitada da esposa lhe ver.
Tragédia, comedia e mais alguns curtas… Talvez o de Tancredo, que mata o amante da filha, Ghismunda, e lhe envia o coração ensanguentado numa taça de ouro. A moça, então, se serve de veneno e bebe da mesma taça para encontrar seu amado. Ou mesmo de uma abadessa que se ergue de sobressalto, da cama, às pressas e no escuro, para surpreender uma freira e um noviço, estando ela própria à loucura com um padre, e nessa confusão se põe a calça ao invés do véu. Ou então do doce Frederico, tão apaixonado por Joana, que sacrifica tudo, inclusive seu falcão.
E nessa ode à Literatura, à Toscana, à Itália, os Taviani simplesmente filmam, ainda que num lampejo de outrora, esse conto medieval de atrocidades e humanidades, luz e cores, tecidos e texturas, odores e sabores. Tudo maravilhoso, não à toa o título.
RATING: 62/100
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