O que em princípio sugere um filme de viagem humanitária, gente entregando cesta básica e presentes, alguém vestido de Papai Noel para a alegria das crianças da aldeia (nem comento a pajelança eleitoreira do prefeito), donde à noite eles se socializam e de dia partem serelepes em caravanas, com a sensação plena de ajudar os necessitados, sinto muito, não é. Tão pouco é CONTOS DA ERA DOURADA ou A MORTE DO SENHOR LAZARESCU, histórias da nouvelle vague romena, com seus personagens cheios de contradição e paradoxos comuns, ilhados em cenários radicais e pictóricos, o típico folclore de uma escola cinematográfica, que deseja contar sua história e mostrá-la ao mundo. Pelo contrário, ÎNTREGALDE é simplesmente nada. Está fora do mapa. E não devia ser surpresa, porque Radu Muntean sabe vagar pelo etnográfico, pelo rarefeito para, enfim, construir seu sutil suspense pós-comunista, embora aqui, ele atole na floresta e aí a genialidade do roteiro.
É um filme de efeito cumulativo, vale dizer: existe a boa intenção dos protagonistas – Maria, Dan e Ilinca – não necessariamente amigos íntimos, mas ali, tão somente no mesmo veículo-filme pela ação social de um grupo de off-road ao qual pertencem. Dan veio porque gosta de dirigir o SUV 4X4 em estradas de terra, Ilinca para socializar e Maria porque sente a necessidade de ser relevante. Disso, parte a jornada por caminhos montanhosos às aldeias distantes. O detalhe é um quarto personagem, que surge do nada, um velho solitário pela estrada com a intenção de seguir para uma suposta serraria onde trabalha. Eles naturalmente lhe dão carona, se embrenham pela floresta, pelo caminho mais difícil e inimaginável possível e consequentemente atolam. E é aqui, quase em um terço da projeção, que o texto fica interessante.
Então, outro filme, uma nova história, o grande thriller se apresenta: a floresta se adensa em torno deles, faz frio, neva, é noite, eles estão atolados e o velho? Cadê o velho? Ele fugiu. O elenco são três atores e a espera. Um monólogo imerso na escuridão. A agonia que dura 90 minutos. A deles. A nossa. E essa apreensão de se estar sozinho no escuro num suspense engenhoso que faria Alfred Hitchcock se revirar no túmulo de inveja. Ok. menos, mesmo assim um texto inteligente, certo domínio da técnica, bons atores e… senso de humor (ainda que um pouco melancólico).
O resultado é um filme que funciona em todos os níveis, para todos os gostos. Não é apenas um exemplo surpreendente do que o cinema minimalista pode realizar, mas é um grande conto em sua própria diretriz. Um cinema que evoca uma inesperada convivência com outra(s) natureza(s), não como o tio Boonmee, que estava morrendo e viu-lhe aparecer o fantasma da mulher morta, não, não estamos na Tailândia, mas sim na Romênia e, portanto, lobos e gente suspeita, alguns rastros e certo horror de nuance. E claro, esse velho. Velho maldito!
RATING: 71/100
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