Que deleite é CENSOR para os saudosistas: um slasher anos 80 na veia, pegada “video nasty”, um toque de giallo italiano e aquele sangue gore delicinha para o jump scare que não podia faltar. Um designer de som bem imersivo (lembra muito BERBERIAN SOUND STUDIO), cheio de sussurros e arranhados e coça-coça que lhe dá nos nervos. Um cinema sempre no poder da sugestão, da paranoia no escuro, a trilha tensa na floresta, também um tributo à POLTERGEIST, UMA NOITE ALUCINANTE, A HORA DO PESADELO e todo um surto de meta-mistério que nos intriga. E tome machadada e tome VIOLÊNCIA GRATUITA e viva o trash!
Com o intuito de desconstruir e satirizar os aspectos mais básicos do gênero, CENSOR é mais perplexidade do que suspense, embora a fronteira entre ambos seja muito tênue. Uma homenagem ao perverso horror de baixo orçamento, desses que saiam direto em vídeo e direto para casa nos anos 80, sem qualquer critério. Os filmes que estavam sendo “censurados” eram os exibidos nos cinemas, mas em VHS não havia tal controle, então houve um boom de histeria social e pânico moral – as pessoas pensavam que esses vídeos iam “corromper” a sociedade ou estimular a próxima geração de assassinos e estupradores. Ao mesmo tempo, havia o pano de fundo de Margaret Thatcher, o colapso industrial, a perda de empregos… então havia o aumento da criminalidade e provavelmente porque havia muita pobreza, e esses vídeos violentos servindo de bode expiatório para a percepção da época. E é sobre esse cenário que Prano Bailey-Bond sustenta sua história e alcança a proeza de fazer um filme sobre cinefilia, sem abraçá-lo como atitude. O faz através de uma língua morta no cinema, um sistema imaginário dotado de brutalidade que é, ao mesmo tempo, vanguardista e grosseiramente comercial.
Basicamente, um cinema preocupado com a forma onde os artifícios são simplificados ao osso, onde os efeitos são fabricados artesanalmente. Um design de produção orgânico que gera mal-estar, que incomoda, que nos deixa sobressaltados, em constante estado de alarme diante dessa atmosfera sombria de corredor de estúdio. Um ambiente cujos gritos vagueiam pelas outras salas (outros filmes?) e isso vai nos entorpecendo no mais sórdido, na própria loucura… e conforme avança, vendo a protagonista Niamh Algar se perdendo na realidade e cada vez mais perto da floresta, percebemos o quão a diretora é capaz de deslocar a ênfase das imagens para aquilo que pode (ou não) se ouvir e tal artimanha é tão intensa em nossa compreensão (ou falta de) que seu filme fomenta uma tensão esmagadora. Ainda que haja certas infusões de humor cáustico para nos trazer à realidade (ou alívio?) do que se vê.
O resultado é um retorno aos rudimentos do cinema, à sua essência mais básica onde Bailey-Bond controla tudo: sua protagonista, seu público, sempre os enganando, dissimulando cada sentido ao limite. Sim, o final pode ser um pouco ambíguo, mas a experiência vale pela imersão ao submundo da mente para nos atordoar nessa odisseia maquiavélica, nesse vórtex surreal, quase obsceno e ilícito, que a diretora nos sussurra, mas jamais encena.
RATING: 68/100
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