Flee – Nenhum Lugar para Chamar de Lar

Um documentário que flerta com os mesmos temas de WELCOME TO CHECHNYA, mas aqui mais pessoal, porque conta a história de apenas um refugiado – gay, afegão – em busca de seu lugar no mundo. É a mesma tapeçaria impressionante de imagens e memórias, o mesmo passado traumático donde a única saída é fugir (daí o título). E de novo os pseudônimos, as filmagens em segredo, essa ameaça repentina de – a qualquer momento – descarrilar a vida e pôr tudo a perder para si e a família. O detalhe está na forma de fazê-lo, donde o documentário de David France outrora o fez com truques de efeitos visuais, alterando digitalmente o rosto dos refugiados, aqui Jonas Poher Rasmussen o faz em animação em uma estética semelhante à VALSA COM BASHIR, o que torna a narrativa mais livre, a jornada mais poética, tudo para contar essa história de autodescoberta.

Estruturalmente, o roteiro parte de entrevistas simples, uma narração em off com a própria voz do protagonista, Amin, e seu conto de exilio que começa ainda criança com a morte do pai, de como ele e seus irmãos foram aliciados pelo exército mujahid, de como fugiram do Afeganistão e encontraram refúgio em Moscou, mas foram forçados a se esconder porque os vistos expiraram. E daí, toda a trajetória de espera, esperança e fuga de um lugar para outro, de casa em casa até chegar na Dinamarca e conhecer o próprio diretor, isso ainda nos anos 90.

E não à toa o diretor – você sente – busque conexões reais, ele próprio vivenciou isso, e o entrevistado se entrega à sua narrativa, os olhos fechados, as lembranças implodindo em cores e cheiros e textura e nuances de modo que suas memórias surjam fortes e imediatas, inclusive os lados mais vulneráveis ou feios, as facetas mais desumanas, enquanto o filme é desenhado durante o processo, quase em um storyboard de retrato falado, ainda que em animação convencional. Um pouco para emoldurar como instantâneos dos primeiros anos – as memórias do que aconteceu na infância. Outras sequências em gráficos mais abstratos para ilustrar os traumas que ele luta em recordar, tais como a angústia da família ser traficada de Moscou em contêineres. A animação segue, portanto, os traços dos estados mentais, vai ao purgatório, ao limbo, ao céu, cada estágio num estilo de animação, muito sútil, muito realista. E intercalado ao desenho, cenas de arquivo, do cotidiano, noticiários vintage, material para situar a história no espaço e no tempo e – ao mesmo tempo – reforçar a natureza documental do projeto. O resultado é uma química perfeita entre gêneros, documentário e animação, drama e suspense, uma história singular.

RATING: 78/100

TRAILER

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ANIMAMUNDI · FILMES · SUNDANCE · CANNES · TIFF · FILMES LGBT

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