Courage

Há muitas cenas interessantes em COURAGE, dessas de cinema de guerrilha, câmera na mão, bandeira no ombro e massa de gente em vermelho e branco nas ruas, contudo até esse caldeirão ferver é um longo e lento processo: basicamente um fluxo de imagens soltas de gato, de neném tomando sopinha, faxina, funilaria e gente dirigindo, nada mais que os afazeres de três atores de um teatro de garagem na Bielorrússia, sua pequena revolução, a arte como forma panfletária. E isso diante de um todo: o turbilhão de protestos que seguiu às ruas em 2020, as pessoas inconformadas com os resultados das eleições presidenciais que reconduziu Alexander Lukashenko para um sexto mandato (!)

Para o cineasta, Aliaksei Paluyan, seu filme deseja uma visão muito pessoal dos acontecimentos, daí os depoimentos desses personagens – que pouco acrescentam, aliás só distraem do foco da narrativa principal –, o que torna o discurso confuso, principalmente para o público que não está acostumado aos eventos. De fato, é um filme que parece nichado cuja falta de contextualização dificulta o entendimento.

Todavia, de repente a tela acorda de seu estupor: por um minuto se assiste o povo ao protesto, centenas, milhares de manifestantes às ruas, heroicamente recuando e avançando. Então, entre lágrimas, flores, gritos, o rugido da insurgência, um homem, uma câmera, um microfone, a zona de conflito, os tanques, as pedras atiradas, a barricada da polícia. A imagem não descansa, nem o povo, abalado, emaranhado, revoltado. A situação se perde. A câmera submerge na multidão e com ela se move, clama, protesta. É apenas dez, quinze minutos de marcha, de movimento, a imagem entre pedras e analistas. Cada frame, um tiro no escuro, sem close-ups, sem panoramas, apenas o testemunho. O ponto de vista é apenas a ambição de abraçar a multidão e o evento, sem se relacionar, sem apoiar. Apenas documentar. E essa é a força desse filme, o momento pelo qual vale o ingresso: o gesto radical, o olhar urgente, a peça cheia de significados.

Qual o resultado? Simplesmente uma força descomunal que se projeta da tela em um levante, donde cada pessoa é um “companheiro”, donde o filme é o povo. E nesse caos, ocupado, sitiado, cercado, em meio aos esquadrões, à dissolução, sim, se reconhece um ou outro rosto, mas em vão porque todo o resto é a massa, o rebanho reunido em determinados locais, em determinados momentos, em determinadas atividades, para que seu trabalho provenha o pão, a pedra, a pomada na linha de frente. Afinal, o combustível para que esse tanque de guerra avance sem direção, em mil caminhos, incompletos, fragmentados, para entender o lugar e o evento desse clamor que ninguém compreende ao certo, mas ali vê. E é genuíno.

RATING: 64/100

TRAILER

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REVIEW · BERLIM

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