Um homem apressado pelas ruas de Paris. Um homem em fuga, mochila nas costas, passos acelerados, olhos ao chão, que admira Napoleão, gosta de Zidane e ama filmes de Godard… Que veio de Israel, de repente, sem planos e para sempre. Assim, pousou em Charles-de-Gaulle, sem permissão, sem visto, um francês básico, somente para viver e morrer em Paris e nunca mais voltar. O homem está nu. O homem está só. Não tem nada e somente uma obsessão: tornar-se francês e esquecer Israel.
Então, Nadav Lapid conta sua (própria) história e filma o monologo de um homem em busca de um (novo) vocabulário para suprimir seu passado. As palavras ditas em oração, murmuradas em prece, chicoteadas ao vento, na pedra fria, no chão molhado, recitadas a esmo na Ponte Alexandre III em busca de redenção. Com o passar do tempo, tal homem é confrontado pela desconexão entre fantasia e realidade, passado e presente. Sua linguagem se torna cada vez mais radical. Radical no sentido de um apego desesperado às palavras, às sílabas, à dicção e aos sons do idioma francês. Para esse hino, palavras tornam-se mais importantes que frases ou contexto. Palavras se rebelam contra o significado delas. O filme é a descrição de um colapso.
Em termos estéticos, as cenas de rua e a câmera trêmula acompanham esse homem, cada plano oscilando entre o ponto de vista subjetivo e o externo, enfatizando ainda mais essa desorientação: Aqui, não se trata de um filme de Paris, mas um conto de palavras, sentimentos e confusão, vivenciados pelo protagonista, o diretor, ou mesmo o público andando pela cidade. O olhar é o de uma pessoa que não quer ver. De um homem que se recusa a olhar para o Sena, porque procura outra Paris mais autêntica e íntima, não o mesmo cartão postal. Que busca a cidade que sente ou sente sem olhar, sem usar os olhos, sua cabeça inclinada para a calçada e sua boca pronunciando um fluxo constante de sinônimos. Como filmar um olhar que não olha para a cidade? Ou olha diferente? Lapid o descreve perfeitamente nos mais gélidos frames.
Então, o cineasta redige a cidade sob palavras e fonemas, isso em esquetes pequenos, baratos, quase primitivos. Poucos atores, equipe mínima, uma ode à intimidade e ao sentimento. Ao centro, esse personagem tão brutal e violento, sensível e carismático. Tom Mercier carrega o filme em si e o interpreta com aspecto lúdico e vulnerável – e uma sexualidade impossível de classificar ou catalogar – aliás, todo o filme. Não há palavras para descrevê-lo. Felizmente, nem no dicionário.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela SBS International, incluso entrevista com a diretor e notas de produção
RATING: 84/100
TRAILER & STREAMING