De Agatha Christie, de um filme antigo de Sidney Lumet, Kenneth Branagh filma o percurso de um solitário trem a caminho do Oeste, no frio, na noite, no inverno, atravessando um país que não existe mais, de Istambul (na Turquia) à Calais (na França). Uma longa, tediosa e cansativa viagem de três dias, mas não para Hercule Poirot que acaba de resolver um caso em Jerusalém e já emenda outro em Londres. O detetive é muito assediado. Sua fama lhe precede pela solução de mistérios difíceis. Não há descanso. Nem na viagem do Expresso Oriente, para sua aflição, para nosso deleite mórbido.
Então, uma avalanche (de personagens?), todos enclausurados nesse trem descarrilhado, estranhamente cheio para a temporada, são estrangeiros, sem nada em comum além das necessidades de viajar, um professor alemão, um gângster com seu mordomo e assistente, uma governanta inglesa, uma missionária espanhola, um vendedor americano, uma princesa russa e sua criada, um médico negro, uma viúva melodramática e um conde diplomático, todos ali por um motivo, um assassino entre eles. Um crime hediondo, violento, no passado, no presente. Poirot não tem férias e ele precisa pensar.
Um filme também esperto no modo de contar sua historia, permitindo ao público um “fair play” enquanto acompanha Poirot e suas engenhosas células cinzentas. Seguindo-o através dos suspeitos, das novas evidências e, com ele, a câmera como se fosse um projetor de slides pelas janelas do trem. O cenário exuberante que parte de uma Istambul digna de um cartão postal ou, talvez, um novo Assassins Creed e, depois, cortando as montanhas, para as montanhas, cada personagem (e ator) em um momento único para seu próprio monologo (e motivo). Tudo conspira para uma bela adaptação, ame ou deixe. Tudo e todos são suspeitos.
De um grito na noite, de inúmeras facadas, um robe vermelho, um lenço bordado, um botão de uniforme, inúmeras provas e suspeitos, álibis e mentiras, Poirot entrevista cada personagem na tentativa de elucidar o caso. E com ele, outrora o leitor voraz de histórias de mistérios, agora o expectador ansioso de um puzzle. Um filme de dialética, muita conversa e investigação. Não à toa, o diretor de 12 HOMENS E UMA SENTENÇA o tenha feito em 1974. Nem coincidência, um ator shakesperiano refaze-lo agora. Branagh lê as estrelinhas do texto, e encena um teatro de percepções e psiques. Conduz seu filme, não nos trilhos do crime, mas no mais humano, nos frangalhos de um trauma violento, no cansaço de um homem que não se cansa de ver o mais hediondo do ser humano e, talvez, o saiba discernir com justiça, mesmo um assassinato. Um filme que se torna aos poucos cada vez mais frio e melancólico. Ate o final, a cena da Santa Ceia que marca o discurso e o sacrifício de Poirot.
RATING: 69/100
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