Foi PREENCHENDO O VAZIO que Rama Burshtein nos encantou com um casamento bastante complicado, uma historia de amor e sentimentos, extremamente pessoal, estranhamente exótica, mas que, de tão familiar, logo nos emociona, talvez pela própria afeição entre um homem e uma mulher, talvez pela força da ambientação – uma comunidade ortodoxa – ou mesmo pela delicadeza da autora, não importa, porque esse é um cinema capaz de nos levar para outro mundo, o dela (a cineasta é de origem hassídica), e ali, nos abraçar como se estivéssemos em sua acolhedora sala de estar. E assim, o primeiro vazio foi miraculosamente preenchido, exatamente aquele que separa cada espectador não judeu e não ortodoxo dessa cultura em particular.
E agora, ATRAVÉS DO MURO, ela retoma ao mesmo tema e universo, ainda que pelo oposto, do outro lado da mureta, do drama à comedia, do vazio ao inteiro, do conflito para a paz… Assim canta a musica que abre o filme e irradia essa personagem que anseia. Espera. Sonha. E num salto de fé parte para o desconhecido, por outro alguém, porque o tempo urge. E afinal, porque desistir de tudo se ela “tem o local, o vestido, o apartamento”? Porque cancelar tudo? “Deus pode facilmente lhe aparecer com outro noivo”. Esse é o “filme-busca”, senão o belo argumento de um conto de fadas.
E como uma boa contadora de historias, Rama nos abraça na farsa dessa jovem, nos dilemas desse casamento, nos costumes relativos, na restrita cultura judeu-ortodoxa. E o faz de maneira universal, no tom e nas cores, nas infinitas memorias de seu povo, num gênero dito fácil, mas aqui repleto de entrelinhas, pequenas ironias, encontros e desencontros. O texto brilhante (embora um pouco previsível) aos poucos tecendo nosso sorriso, nesse casamento sem precedentes e na surreal cena final. Claro que, para isso, basta ter um pouco de fé.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela The Match Factory, incluso a entrevista da diretora
RATING: 75/100
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