Um pouco de amor (e apostas) em Cannes 2015

Eis o ano da França na França: Anunciada a Seleção Oficial do Festival de Cannes, todos os 90 filmes – dezenove em Competição pela cobiçada Palma de Ouro -, acompanhamos desolados, inquietos, encantados a curiosa Revolução de Pierre Lescure em seu primeiro ano pós Gilles Jacob. Obviamente foram muitas omissões, escolhas incomuns. Nada de Depleschin, Kawase, Weerasethakul … Nenhum “amor” com esses autores, nada de LOVE IN KHAN KAEN, apenas ao cinema francês, desse desnecessário VALLEY OF LOVE que desembarca no Palais com quase 10% de todos os títulos do evento, senão 25% da Competição Oficial.

E, atônitos, afinal, vemos que A GUERRA ESTÁ DECLARADA ao mundo: Meio zonzos, LA TÊTE HAUTE como diriam os franceses, surpreendemo-nos com Emanuelle Bercot subir as escadarias do Palais, primeiro para abrir o Festival, a primeira mulher em anos, para, depois, competir sob as ordens de MON ROI, ou da atriz, diretora, melhor “polissa” Maiween. Logo em seguida, Philippe Garrel, pela honra, pela tradição, abre a Quinzena dos Realizadores, com toda a pompa e circunstância, um cinema preto no branco, como habitual, mas agora sob “a sombra de uma mulher”, e falamos de Clotilde Coureau, naturalmente. E ali pertinho, na Semana da Crítica, outro francês abre outro evento, talvez para nos surpreender, nos seduzir, senão pelo o que se espera de Elie Wajeman em sua estreia, ao menos pelo que se promete desses LES ANARCHISTES, dO PROFETA Tahar Rahim, da exuberante Adèle Exarchopoulos. Na tela, o fogo da juventude, um (novo) sonho dOS SONHADORES. Será? É possível?

Voltemos à Competição e nada de AMOR por aqui: Isso coube à Haneke, ao cinema de autor, ao esplendor de uma era que o vento levou e hoje se perdeu em pequenos torrents. Aqui, tão LONGE DO PARAISO, tão perto de um ilusório “sonho americano”, resta apenas a paixão! Dessa que se nutre por Cate Blanchett, aqui CAROL, outrora (BLUE) JASMINE, senão Bob, a grande favorita, se MIA MADRE permitir, e também se Marion Cotillard, a grande Lady MACBETY, não for apenas uma coadjuvante de luxo. E isso para eletrizar uma disputa, sim, com ecos de Oscar em 2016.

E de tantos franceses, muita propaganda e algum Brizé, “amour” mesmo se sente por Jacques Audiard, o cineasta que filma na FERRUGEM E OSSO, e cuja filmografia de tanto nos encantar, de tanto impressionar, DE TANTO BATER MEU CORAÇÃO PAROU. Há chances aqui. Boas chances. E é o único francês “premiavel” da Competição, isso por enquanto.

Um festival genuinamente francês, de tanto cinema francês que, no entanto, “parlare” italiano como MIA MADRE e “mia nonna” fazia: Seria o conto do vigário, O CONTO DOS CONTOS, mas a Palma de Ouro, anotem, é italiana. Talvez porque Matteo Garrone registre essa Nápoles em uma grande farsa, ou pequenos contos italianos (e fellinianos) em tom de REALITY – A GRANDE ILUSÃO de um país que caiu na caricatura, no tom rocambolesco que, aqui, nessa imensa fantasia, Guilhermo Del Toro, um dos jurados, deve aplaudir e votar. Depois, Margherita Buy… A MOMMY que Xavier Dolan talvez matou, filmou, se encantou, sim, um convite genuíno ao encanto do jovem jurado. Seria um voto aberto. Voto fácil para o filme de Nanni Moretti. Por fim, A GRANDE BELEZA de ver um cineasta no auge de sua carreira, filmando dois atores cheios de nostalgia, Michael Caine e Harvel Keitel, contemplando o passado, senão LA GIOVENEZZA de Rachel Weitz. E é assim porque Paolo Sorrentino filma com a ironia de UM HOMEM SÉRIO, essA BALADA DE UM HOMEM COMUM, e dONDE OS FRACOS NÃO TEM VEZ. Um voto, dois votos, talvez de minerva, uma palma, porque não? È amore!

O resto é um flerte, talvez a surpresa ou apatia diante da legítima expectativa. E desse provável estrondo, poderia haver algo mais LOUDER THAN BOMBS para nos arrebatar, o júri, a crítica? Um consenso diante de um diretor que filma o vazio, desde os ALPS até o mais profundo DENTE CANINO? Outro TOQUE DE PECADO para remover montanhas? Como lidar com o sangue frio de THE ASSASSIN? Com a crônica de um México DEPOIS DE LUCIA? Eis o mistério, a revolução, a proposta: Um Festival que (ousa) submergir no desconhecido, no inusitado, nesses novos autores, não no VALLEY OF LOVE, nem no “vale dos suicidas”, que Gus Van Sant filma, mas aos poucos, em um novo cinema, que a principio não amamos, mas poderíamos amar, porque é de SON OF SAUL, do discípulo de Bela Tarr que falamos ou arriscamos. E isso é uma aposta. Também a única de Pierre Lascure dentre tantos autores conhecidos.

Não houve LOVE EM KHAN KAEN, nem amor na competição. Ao filme de Apichatpong Wheresatakul, coube apenas “um certo olhar” e um novo título, O CEMITERIO DO ESPLENDOR, também de uma Seleção que relegou vários autores ao plano B. E porque? Ao Télérama, Thierry Freumax, o magnânimo delegado geral de Cannes, se explica, várias e várias vezes, porque não Depleschin, Kawase, Weerasethakul disputam a Palma: Basicamente, escolhas. O desejo de se renovar. E diante dessa proposta, Naomi e Api pediram tempo para pensar nesse “novo” olhar – e o fizeram depois da Coletiva -, resignados, para, por fim, aceitaram seus papeis nesse “maior festival do mundo”, pelo bem, pelo mal, seja em qual seleção seja, infelizmente.

Nova pergunta do jornalista, nova polêmica: Porque não Miguel Gomes, Philippe Garrel e Arnaud Desplechin pela Palma? E novamente a diplomacia, as escolhas, o julgamento. Tudo se responde com exclusas e politica. Coisa de Maluf, diriam os paulistas. O jornalista insiste. Cadê Gomes, Garrel e Depleschin?

Não houve amor? Amour? Amore? Love?

Sim, ele de fato os ama, mas não encontrou lugar para eles, ao menos pela Palma de Ouro. Garrel foi convidado para abrir a Quinzena. Sem espaço, Depleschin o acompanha da mesma forma, e em todo o circuito comercial francês durante o Festival (como os italianos também o fazem na Itália com Moretti e Garrone). Um sentimento de renovação tomava corpo, novos horizontes, curiosamente não o suficiente paras AS MIL E UMA NOITES, as nove horas, os três filmes. Valia “um certo olhar” também. E novamente outro diretor se foi para a Quinzena, com mais louvor e mais holofotes. O TABU permanece.

A Quinzena… O festival paralelo e “infant terrible”, criado em 1969 contra o Festival “Oficial”, seu “rival”, seu “concorrente”. Um evento que se nutre da ambivalência de Cannes, sua prima política, e, passo a passo, ganha destaque, ganha o cinema, ganha Fernando León de Aranoa, Ciro Guerra, Philippe Faucon, Takashi Miike, os autores. Realizadores. Amamos.

E “amor”, como diria Gaspar Noé, existe entre o bem e o mal, é um estado de consciência, uma droga pesada, um distúrbio mental, um jogo de poder. Algo para transcender. E é IRREVERSSÍVEL. Assim também será Cannes 2015, ame ou deixe.

Apostas | Cannes 2015
*** A CHANCE DE CADA FILME PELA PALMA DE OURO ***

LA GIOVINEZZA | Paolo Sorrentino – 84,64%
LOUDER THAN BOMBS | Joachim Trier – 71,25%
MIA MADRE | Nanni Moretti – 71,07%
IL RACCONTO DEI RACCONTI | Matteo Garrone – 70,00%
CAROL | Todd Haynes – 69,17%
DHEEPAN | Jacques Audiard – 68,33%
THE ASSASSIN | Hou Hsiao Hsien – 67,50%
MOUNTAINS MAY DEPART | Jia Zhangke – 62,05%
SON OF SAUL | László Nemes – 61,67%
MARGUERITE ET JULIEN | Valérie Donzelli – 44,29%
THE SEA OF TREES | Gus Van Sant – 43,75%
MACBETH | Justin Kurzel – 42,27%
OUR LITTLE SISTER | Hirokazu Koreeda – 41,67%
VALLEY OF LOVE | Guillaume Nicloux – 41,25%
CHRONIC | Michel Franco – 40,63%
THE LOBSTER | Yorgos Lanthimos – 38,57%
MON ROI | Maïwenn – 33,13%
SICARIO | Denis Villeneuve – 32,00%
THE MEASURE OF A MAN | Stephane Brizé – 31,52%

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FESTIVAIS

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