Visita ou Memórias e Confissões


Tem certeza que é esta casa? Tal pergunta nos convida para uma VISITA OU MEMÓRIAS E CONFISSÕES: A câmera passeando pelo jardim, ao som dos pássaros (ou dos tentilhões?), indo e vindo pelo labirinto de arbustos até chegar nesse santuário. O casal-narrador nos guiando por esse filme, apontando para uma arvore frondosa, no azul que se destaca, sua natureza, uma única magnólia toda prateada como se fosse uma bailarina japonesa. Eles vieram agradecer, talvez por um jantar ou, então, tomar dois dedos de prosa. E com eles, viemos também agradecer, à Manoel de Oliveira, por tudo.

Andamos mais um pouco até a palmeira com ar descontente que guarda a entrada (Seria o porteiro?). Diante da porta, a passagem lentamente se abre e nos convida para a casa. Adentramos e pela sala rodeada de objetos, moveis, coisas, vemos senão sua história no limiar da linguagem e, sim, a casa está vazia. Ali, há muitas flores. Pela janela, muitas árvores. Ninguém nos recebe. O silêncio se propaga pela galeria envidraçada. No ar, tanta tormenta e tanto engano, um quadro aqui, um barco acolá, um fio de prata nos guia. Não há ninguém nessa casa. Ei, somos amigos! Mas ninguém nos recebe… Tenho medo.

A casa se torna um gigante, um objeto cinematográfico pousado na eternidade, enorme, cheia de sentimentos. E nessa VIAGEM AO PRINCÍPIO DO MUNDO, vivendo em toda a parte, salvando o mundo, esperando o céu, conduzindo o divino, velamos pelos homens. Ouviste? Há alguém lá embaixo. A casa se cerca de mistérios, ali desde 1942 pelas mãos de José Porto, ali vivida por Manoel de Oliveira por 40 anos, ali amarelada e enrugada como as arvores de outono, ali viu seus filhos, netos, sua maturidade, seu cinema, duas doenças graves, uma morte, um casamento, muitas festas e desgostos. São esses os ruídos da própria casa que, de repente, nos mostra uma coluna, talvez o mastro desse enorme navio, suas varandas e terraços como pontes e decks. Pelos corredores, as portas dos camarotes brancos. O mar simbolizado pelo enorme choro, ou senão pelo imenso jardim. Andamos pela casa, pelos troféus, um sofá de madeira, um anjo carcomido pela água salgada.

O vento sopra, o porteiro bate na janela. “São horas, são horas”, ele diz. E é hora de ir. A casa é imenso sossego, talvez à espera da visita de um Deus, ou do nada. Sim, é bonito para meditar, mas a hora já deu. Nos despedimos, nos arrependemos, vivos ou mortos e cheios de nostalgia. Devia ser belo, mas não é. Estamos a ficar melancólicos. Manoel gosta da vida. Tanto que a viveu por 106 anos. Para ele, isso foi amor. Foi Maria Isabel entre os cravos, senão seu único sentido de plenitude e pureza, a noção de Deus ou do absoluto. Sua casa foi nada mais que a matéria para essa vida, um prazer, um refúgio, o testamento, o início, o fim, somos nós, o corpo estável. A casa é o mundo. E sumiu. Manoel também. Estamos tristes. É hora de ir.

RATING: 100/100

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FILMES · CANNES · MOSTRA SP

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