Enésima reimaginação do TEOREMA de Pasolini, desconstruído e atualizado temática e estilisticamente ao universo queer, sem dúvida ultramoderno, até mesmo futurista, um elemento invasor alienígena, iluminação estroboscópica, trilha techno e hyper-pornificação que faria 120 DIAS DE SODOMA se constranger de vergonha, é o que nosso enfant terrible Bruce La Bruce nos propõe: um refugiado que aparece nu em maleta e literalmente f* com uma família, um de cada vez, de várias formas, um ato artístico demais para o público pornô, pornô demais para o público artístico, de forma alguma indicado à geração Tik Tok, esse cinema-suruba de arte performática, panfleto libertário marxista homossexual ou fetiche ateu pobre-católico é (será) um escândalo.
As influências são inúmeras, parte da já citada trilogia da “vida burguesa” de Pasolini (TEOREMA, POCILGA e SALÓ) e segue John Huston (OS PECADOS DE TODOS NÓS), Rainer Werner Fassbinder (WHITY) e Joseph Losey (O HOMEM QUE VEIO DE LONGE) no estudo de dominação sexual e submissão psicológica, aqui não só no sentido do sexo/poder para humilhar ou controlar, mas tão somente como forma de equilibrar a equação, equiparar os personagens, um refugiado e essa família rica, todos entregues aos (seus) instintos mais animalescos, não importa quem sejam, quais sejam, aonde estejam, sua função no mundo, o cineasta filma a comunhão e o faz de forma mambembe – ele cita “Cheap Blacky” em entrevista – justamente para certificar esse mundano, o lugar comum.
E se outrora o TEOREMA fosse em Milão, final dos anos 60, toda a sedução aos olhos e intelecto de Terence Stamp, agora o desejo recai sobre um desconhecido, homem negro, refugiado, trabalhador, perdido e encontrado nessa Londres puritana de 2023, ela toda propaganda extremista e xenofóbica, tal qual a família que recebe esse visitante como projeto de “fantasia” familiar. Então, o masoquismo que resulta na dominação dos possuidores pelo despossuído, logo se reverte, assim como no filme original. Bruce enfeita seu filme de slogans partidários, insere intertítulos de esquerda, mas com duplo sentido – “Fronteiras Abertas”, por exemplo -, alistando valores liberais para seu manifesto “queer” e nesse radicalismo, reescreve o roteiro, lhe torna fluido – não a toa, a filha seja trans masculino e do visitante engravide, o que outrora seria o medo do outro ultrapassando os limites, as fronteiras da família e do país, agora tão pouco é um gesto feminista de renascimento e regeneração em termos queer. Outra abordagem interessante é a figura do homem transvestido de empregada, o que causa estranheza, fato, mas todo o filme foi pensado assim: ser explícito, estimulante, desafiador até, para transformar o público tanto sexual quanto intelectualmente. Ame ou odeie, faz pensar.
RATING: 61/100
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