Juventude

Três horas e trinta e dois minutos de senzala fabril, de ronco de máquinas, overloques, galoneiras e afins, o som incessante da costura, cerzir, costura, cerzir, os dedos ágeis para ligar mil peças por segundo, 20 yens por cada milha, e corte, costura, cerze nesse ambiente encarquilhado, sem sol, sem ar, para nos enclausurar no ronco e tec-tec-tec-tec sem fim. Corte. Wang Bing é incansável, filma outro jovem, outro casaco, mais um jeans, filma essa JUVENTUDE chinesa imersa na rotina de linhas e bobinas e cigarros e descanso (que descanso?), mais um cigarro e outro cento de retalhos para costurar, cerzir, cortar e de novo o ronco (do público?). Corte, costura, tec-tec-tec de nos enlouquecer, tic-tic-tic de gente abandonando a sessão. Corte. Respira. Dormem. Acordam e costuram. Muda a tecelagem, de novo a luz fria, jovem sorrindo (por que tanto sorriem?) e costuram, brincam, brigam, fecham a cota, 20 yens, obrigado e vão dormir em suas camas, três andares acima de prédio xexelento. Então, o tempo se arrasta nessa costura de cenas, de jovens, de técnica, fiapos e retalhos de vida pelo chão, canções felizes em rádio tupi chinesa, mas nada muda. São três horas e trinta e dois minutos de suplicio. São a vida deles.

Wang Bing, no entanto, segue incansável na itinerância pelos documentos da China, de cidade em cidade, primeiro A OESTE DOS TRILHOS no complexo industrial de Tiexi, depois nA VALA do deserto de Gobi, por fim em Yunnan para revisitar TRÊS IRMÃS, parecia natural seguir para Xangai, para a indústria do vestuário e, ali, filmar algumas cenas, dialetos desconhecidos, um emaranhado de pequenas oficinas de confecção. No filme – você vê – uma total liberdade para transitar pela fábrica, os dormitórios, quase cinco anos (!) de filmagem, 2600 horas de material bruto, de jovens trabalhadores, que riem, flertam, cantam ou discutem – de extenuante tarefa repetitiva em velocidade vertiginosa. Tão rápido, na verdade, que às vezes parece que o próprio filme está acelerado, um fardo fascinante de assistir… 5 minutos, 10 minutos, depois se torna uma eternidade. Talvez seja a intenção, o fetiche de um diretor que costura seu mundo lenta e deliberadamente, seguindo as batidas e ritmos da vida desses jovens, sem entrevistas ou narração, a câmera como se fosse um colega de trabalho, sentado na mesma bancada, morando no mesmo dormitório, deitado na mesma cama. Sempre ao nível dos olhos, talvez um pouco mais tímido, um pouco mais distante. Eu, sinceramente, bem mais distante, confesso.

RATING: 64/100

TRAILER

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REVIEW · CANNES · TIFF · MOSTRA SP

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