Desse filme sobre Malta, filmado em Malta, com indivíduos de Malta, há muito a ser dito, muito sob a superfície, mas ele permanece tranquilo. Um filme tão calmo quanto o mar, tão brilhante como os pequenos olhos de Osíris pintados na proa do LUZZU, esse pequeno bote que o aguerrido protagonista teima em usar, que seu pai usou, seu avô também e toda uma geração de pescadores dali tirou seu sustento, mas não agora, porque o barquinho está furado e os peixes estão escassos. Então, Alex Camilleri filma em sua estreia, uma história donde os pescadores são atores, o próprio Jesmark Scicluna também o é, a câmera ao redor dele para capturar o silêncio, essa intensidade que surge de pessoas comuns de encontro ao mais vulnerável. E filma muito Ken Loach, muito Roberto Rossellini, esse novo neorrealismo “maltês”, donde você sente a luta, o dilema infernal entre sobreviver ou esquecer a tradição, a própria identidade se perdendo aos poucos junto com a esperança.
Um cinema de certa forma inédito, feito com amor em uma ilha que jamais viu cinema assim: histórias de pescadores e tradição, gente lidando com questões de herança e sacrifício, pé na areia, rosto ao sol, a rede lançada aos nossos olhos em um voo espalmado para você ver o quão profundo, o quão extenso é esse filme-mar e como ele aos poucos vai lhe esmagando no sobe e desce das ondas, no tuk-tuk do peixe que ninguém quer, mas você precisa vender para alimentar o filhinho, custe o que custar.
E o filme ali, um quase-nada flutuando entre os personagens, homens comuns indo além da atuação, vivendo os limites da tela, não só interpretando sua história, mas instintivamente fazendo o que sempre se fez, todos os dias, a maresia sai ficando, fica saindo cinema, os peixes a pescar e todo o legado passado em um frame, como uma pegada de tinta em um barco qualquer para jamais esquecer. E você não esquece: o olhar desse homem, outrora diante do pé menino, todo amarelo ocre no barco do pai, agora fazendo o mesmo com seu bebê, a mesma marca em sinal de sorte para seu pequeno luzzu velejar. É uma cena que lhe fisga, dá arrepios, nenhum ator jamais conseguiria interpretar, mas Jesmark o faz e você se perde em seu olhar.
E naturalmente o roteiro vai no improviso para se filmar essa “MALTA, CIDADE ABERTA”: uma história fictícia, mas que enreda tantas outras, e vai mesmo pela emoção, no mais espontâneo, assim, de surpresa. E como roteirizar o que se fisga de momento? Ali, um peixe espada que surge do nada e nos deixa um dilema porque a pesca está proibida. O que fazer? Soltá-lo? Ficar com ele? Tal cena é gravada no susto, como se fosse um reality show, câmera no ombro, todo o impasse, o roteiro que lute, ele é um objeto vivo. A vida, afinal, resolve. E fascinados, assistimos essa alma à deriva enquanto o mundo muda e o pequeno luzzu vai se perdendo na memória.
RATING: 75/100
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