Wolfgang Amadeus Mozart
As cores dos anos de chumbo, a ensolarada Calábria, as alegres refeições, uma bola de futebol a girar os traumas e as memórias, as lágrimas e os abraços que já não existem… Claudio Noce filma IRMÃOS À ITALIANA, tutto in famiglia, tutto nel cuore e o chama de papai, ele: Pierfrancesco Favino, isso no auge do seu talento, mas aqui muito além, porque nele está um pedaço dessa Itália, um tanto do passado que nunca se esqueceu, um cinema que busca a redenção pelas décadas perdidas, o sangue retinto, a loucura que enchia páginas e mais páginas de jornais e livros de história, mas – acima de tudo – o derradeiro atentado que estilhaçou famílias, criou órfãos e viúvas.
Sim, é assustador historicamente falando. Por trás das notícias e da luta política, dessa história de heróis, anti-heróis ou monstros, havia famílias de ambos os lados. Assim como havia a família de Claudio Noce. O pai do cineasta foi vítima de um atentado terrorista do Nuclei Armati Proletari em dezembro de 1976. Ele foi ferido, um policial e um terrorista morreram. O pequeno diretor não tinha sequer 2 anos… e assim, 44 anos depois, ele fez esse filme, a elaboração de algo que poderia ter sido, ser e felizmente não era, de ações que têm consequências mesmo quando não são concretizadas. E sim, é assombroso.
Na projeção, Favino surge forte, magnético, heroico, aquele arquétipo de homem cujas emoções são percebidas apenas como fraqueza e forçadas a serem disfarçadas em silêncio. Ao redor dele, o filme encampa uma batalha: Há o filme-garoto pelo pai amado, um fortemente evocativo em relação à parte autobiográfica da história e existe outro, o filme emancipado, mais livre, mais consistente como um conto de amizade. Os dois planos, entretanto, se entrelaçam, uma página corre atrás do romance de família, a outra se perde na fábula de amigos. Às vezes, porém, o calor sem limites de uma memória se confunde entre os dois, difícil separar, porque é o mesmo pai.
Sabe, existiram inúmeros filmes sobre o tema, houve AS INVASÕES BÁRBARAS de Denys Arcand, PEIXE GRANDE de Tim Burton, a cena do banheiro em À PROCURA DA FELICIDADE, ou mesmo a da barba em HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO e certamente haverá um capítulo aqui: a derradeira cena do ataque, o zênite da crise, é uma vertigem. Ela começa e você, cambaleante, quer fugir, respirar, mas as imagens doem, doem tão intensamente que você sente o coração fisgar. Ao fundo toca uma música, as sirenes de ambulância, e logo atrás vem o pai lhe pegando pelas mãos, “calma filho”, respira, respira… e você quer respirar, mas sabe que não poderia ser assim, quer voltar ao passado, mas sabe que ele talvez não esteja lá. E é por essa cena, dois minutos de pânico que levaram quarenta anos para entender, que se respira cinema. “PADRENOSTRO”, assim como o chamam na Itália, é um filme de amor feito por uma criança invisível que toda noite olhava pela janela temendo que lhe roubassem o pai e muitas noites o fazia, olhando pela janela enquanto todos dormiam. Talvez ele nunca tenha contado isso para alguém, pelo contrário, muito tempo depois, prefiriu filmá-la… “Subito dopo Dio viene Papà”, já dizia Mozart.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Vision Distribution, incluso o testemunho do diretor.
Segundo paragrafo contém trechos da matéria escrita na revista Ciak, por Alessandro de Simone, em 04.set.2020
RATING: 68/100
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